PF deflagra operação contra auditores da Receita e prende responsável por dossiê sobre Gilmar Mendes

A Polícia Federal deflagrou nesta quarta-feira (2), no Rio de Janeiro, a Operação Armadeira contra auditores fiscais da Receita Federal que extorquiam envolvidos na Lava-Jato. Ao todo, a PF cumpre 39 mandados de busca e apreensão, cinco de prisão temporária e nove de prisão preventiva, todos expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

São alvos de mandados de prisão preventiva o auditor fiscal Marco Aurélio Canal, supervisor de programação da Lava Jato na Receita Federal, Rildo Alves da Silva, Mônica da Costa Monteiro Souza, Daniel Monteiro Gentil, Elizeu da Silva Marinho, Narciso Gonçalves e José Carlos Reis Lavouras. A PF também tem no radar, com mandados de prisão temporária, Leonidas Pereira Quaresma, João Batista da Silva, Fábio dos Santos Cury, Alexandre Ferrari Araújo e Fernando Barbosa.

De acordo com as investigações do Ministério Público Federal, o esquema criminoso começou a ser desvendado a partir do depoimento de Ricardo Siqueira Rodrigues, réu no âmbito da Operação Rizoma, que investiga desvio de verbas dos fundos de pensão Postalis (Correios) e Serpros (Serviço Federal de Processamento de Dados – Serpro).

Em novembro de 2018, Ricardo Rodrigues afirmou aos procuradores da República ter sido alvo de exigência indevida por parte do auditor fiscal Marcial Pereira de Souza, com o objetivo de evitar fiscalização e não ser multado pela Receita.

Rodrigues disse aos investigadores que Marcial exigiu à época pagamento no valor de 750 mil euros (cerca de R$ 3,4 milhões) para não ser multado pela Receita. Diante da alegação do extorquido de que não tinha recursos suficientes para pagar a propina, o auditor disse que conversaria com “sua equipe” para avaliar a possibilidade de uma contraproposta com valor menor. Segundo o depoimento, o dinheiro fruto da extorsão deveria ser depositado na conta de um banco europeu com filial no Rio de Janeiro, sendo que a beneficiária era a esposa de Marcial de Souza.

Os investigadores chegaram ao auditor fiscal Marco Aurélio Canal, supervisor de programação da Receita Federal na Operação Lava-Jato, por meio da delação premiada de Lelis Teixeira, ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor). Teixeira, que é réu na Lava-Jato, declarou ter negociado pagamento de propina com Marco Aurélio para evitar sanções por parte da Receita.


“Diante do afastamento dos dados bancários, fiscais, telemáticos e telefônicos de alguns investigados, foi possível identificar uma prática rotineira de solicitação de vantagens indevidas por parte dos auditores-fiscais e, posterior lavagem de capital, atuando em conjunto e formando verdadeira organização criminosa no seio da Receita Federal”, escreveu o juiz Marcelo Bretas.

Marco Aurélio Canal é citado na delação de Lelis Teixeira no âmbito de negociações com Narciso Gonçalves, advogado e empresário do setor de transportes, e Elizeu da Silva Marinho, ex-auditor fiscal da Receita. De acordo com Teixeira, Gonçalves apresentou Elizeu como sendo “uma pessoa influente” e capaz de interferir em favor da Fetranspor em processo de autuação da Receita.

Em depoimento ao Ministério Público Federal, o delator afirmou ter autorizado Elizeu a pagar R$ 4 milhões a Marco Aurélio Canal, com o objetivo de anular a autuação da Fetranspor. Por ocasião dos fatos, segundo Teixeira, Canal era o chefe da equipe responsável pelo processo na Receita e, em junho de 2017, determinou o encerramento do procedimento fiscal contra a empresa.

Por coincidência, o nome de Marco Aurélio Canal foi citado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em junho, durante entrevista concedida à GloboNews. O magistrado afirmou que Canal foi responsável por elaborar dossiê com seus dados e de sua mulher, Guiomar Feitosa. Em fevereiro, a Receita negou a existência de qualquer procedimento de fiscalização tendo o ministro do Supremo como alvo, alegando que “investigação preliminar” do órgão não encontrou prova de eventuais fraudes cometidas por Gilmar Mendes.

“Eu sei que houve abuso por parte da Receita, e a Receita sabe que houve abuso nesse caso. Mas, tenho curiosidade de saber quem mandou a Receita fazer [a investigação]. O que se sabe é que quem coordenou essa operação é um sujeito de nome Marco Aurélio da Silva Canal, que é chefe de programação da Lava-Jato do Rio de Janeiro. Portanto, isso explica um pouco esse tipo de operação e o baixo nível”, protestou Gilmar.

À época da entrevista concedida por Gilmar Mendes, os criminosos já estavam sob investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, iniciada em novembro de 2018.