(*) Ucho Haddad
Que Jair Bolsonaro é desprovido de qualificações para ocupar cargo de tamanha relevância como a Presidência da República não é novidade para quem acompanha os meus artigos. Ignaro confesso em vários temas e movido pelo revanchismo ideológico, Bolsonaro consegue ser na cena política internacional um apasquinado, status que envergonha os brasileiros e deixa o Brasil em situação de “saia justa” no cenário global. Sem contar o seu “pé frio” quando o assunto é apoio a candidatos estrangeiros.
O chefe do Executivo federal verde-louro é de tal maneira ridículo, que suas estultices, regurgitadas quase que diariamente, são suficientes em número e conteúdo para compilar um anedotário oficial. Não faz muito tempo, repetindo o discurso que marcou uma trajetória parlamentar que atenta contra a democracia e a lógica do pensamento, Bolsonaro disparou todos os impropérios possíveis contra a esquerda nacional e regional, como se a direita tupiniquim que ele hoje lidera fosse a derradeira solução para os problemas do universo.
O besteirol de Jair Bolsonaro ultrapassou as raias do ridículo quando, em discurso no Piauí, ele afirmou que acabaria com o “coco” existente no País – leia-se como “coco” comunistas e corruptos. Em qualquer país minimamente sério, com uma população que pensa de forma cartesiana e tem sangue nas veias e vergonha na cara, o palácio presidencial já estaria cercado por manifestantes
Tendo como timoneiro do próprio pensamento o astrólogo refugiado na Virgínia (EUA), figura que se esgueira diuturnamente sobre o radicalismo e a verborragia chula, o presidente sequer sentiu vergonha de, ao desembarcar na China, nação sabidamente comunista, afirmar que estava em um país capitalista. Pior do que isso foi a forma chicaneira como seus seguidores, sempre propulsados pela idolatria insana e pela ignorância devastadora, tentaram justificar a descabida declaração, algo que não encontra explicação nem mesmo no hospício da esquina.
Nos Emirados Árabes, como se os senhores de turbantes fossem tolos de nascença, Bolsonaro afirmou diante de empresários e autoridades locais ser “um homem de coração aberto estendendo a mão”. Quem conhece o presidente brasileiro sabe que a referência a “coração aberto” não passa de retórica oportunista de um governante que descobriu, tarde demais, ser incapaz de cumprir as promessas de campanha. Ademais, um ser humano que exalta ditadores e torturadores não tem coração, mesmo que use a própria ideologia para justificar o destampatório.
Em relação aos países árabes, que Bolsonaro não espere viver as benesses das “mil e uma noites”, já que seu apoio incondicional e subserviente a Israel é um entrave considerável. A mudança no palavrório presidencial ocorreu no rastro dos números das exportações brasileiras para a região, algo que desde antes da corrida ao Palácio do Planalto merece meus comentários. E quem não compreende a difícil relação entre árabes e israelenses
Deixando o giro presidencial pela Ásia e o Oriente Médio e voltando para a barafunda em que se transformou a América Latina, Bolsonaro tentou golpear os vizinhos com sua crença ultradireitista, mas no rastro do próprio fracasso tenta dourar a pílula, mesmo que em alguns momentos escorregue no chamado “ato falho”.
O mandatário brasileiro ensaiou apoio aos EUA em possível invasão militar da Venezuela, com o objetivo de derrubar o ditador Nicolás Maduro, que continua no posto. Demonizou a esquerda latino-americana de todas as formas possíveis, mas foi obrigado a se apequenar politicamente ao questionar a vitória do boliviano Evo Morales nas urnas, ao mesmo tempo em que cobrou a recontagem dos votos ou a realização de segundo turno. Depois de 28 anos como deputado federal, Bolsonaro dá claras demonstrações de que jamais leu a nossa Carta Magna, que em seu artigo 4º estabelece que o País “rege-se nas suas relações internacionais” com base em princípios, dentre os quais o da “não-intervenção” (inciso IV) e o da “solução pacífica dos conflitos” (inciso VII).
Preocupado em manter boas relações comerciais com o governo de La Paz, Bolsonaro disse há dias não querer problemas com Evo Morales, até porque o Brasil depende do gás boliviano. Descendo um pouco mais no mapa da região, Bolsonaro classificou a eleição do peronista Alberto Fernández na Argentina como “péssima escolha” da população local, mas espera aumentar as relações comerciais com o país vizinho. Ou seja, dá um tapa na face da Argentina, mas não tira o olho da carteira dos argentinos. Isso se explica pelo fato de a Argentina ser um dos principais parceiros comerciais do Brasil, consumindo maior parte dos produtos manufaturados destinados à exportação.
Esse breve compendio comportamental do presidente da República escancara a forma tosca e falsa com que Jair Bolsonaro se posiciona no cenário internacional, sempre apostando na inocência alheia e acreditando ser ele o último dos gênios da raça.
Em que pese o fato de ser um eunuco em termos de raciocínio, até porque suas estultices não deixam dúvidas a respeito do assunto, Bolsonaro conseguiu a proeza de inaugurar o hermafroditismo ideológico, novidade do pensamento rastaquera que, escorado pelo interesse de ocasião e a exemplo do que corre no âmbito da biologia, apresenta dupla identidade morfológica.
Talvez estejamos diante do primeiro caso de “Síndrome de Klinefelter” no campo da ideologia. Para quem insiste o tempo todo em provar a própria macheza, há algo errado nesse enredo ideológico, com direito a excesso de cromossomos esquerdistas.
Sugiro que o presidente recorra ao outrora popular “Tavares”, personagem criado pelo genial e saudoso Chico Anísio, que surgia na telinha a reboque do bordão “Sou, mas quem não é?”.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.
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