Para quem se elegeu à sombra do discurso de combate implacável à corrupção e prometeu fazer tudo novo e de um jeito diferente, o presidente Jair Bolsonaro age de forma leniente no caso que tem à proa o filho Flávio e o ex-assessor Fabrício Queiroz, responsável pelas malfadadas “rachadinhas”.
Áudios divulgados no domingo (27) pelo jornal “Folha de S.Paulo” mostram que Queiroz, pivô do escândalo, estava preocupado com a investigação do Ministério Público do Rio contra ele e o senador pelo PSL do Rio de Janeiro.
Como mencionado acima, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro é suspeito de envolvimento no esquema criminoso como conhecido como “rachadinha”, em que servidores de gabinetes devolvem parte de seus salários aos parlamentares. O esquema também é conhecido como “operação gafanhoto”, pois come parte da folha de pagamentos.
“É o que eu falo, o cara lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. Ver e tal. É só porrada. O MP [Ministério Público] tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir”, diz Queiroz num áudio teria sido enviado pelo WhatsApp em julho.
A “Folha” afirma não ser possível determinar quem é a pessoa que estaria sendo supostamente protegida, mas, segundo o jornal “O Globo”, que teve acesso ao áudio completo, Queiroz fez referência Adélio Bispo, autor do ataque a faca ao então candidato Jair Bolsonaro, em 6 de setembro de 2018. Apesar de a investigação da Polícia Federal ter concluído que Adélio agiu sozinho, os áudios indicariam que o ex-assessor de Flávio acredita que ele teria sido contrato por alguém e estaria sendo protegido.
Amigo de Jair Bolsonaro e espécie de “faz tudo” da família do atual presidente da República, Queiroz ocupou por mais de uma década cargo de assessor no gabinete do filho mais velho do presidente, Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Ele foi exonerado em 16 de outubro do ano passado, pouco depois de Flávio ter sido eleito senador e Jair Bolsonaro ter passado para o segundo turno do pleito presidencial.
Em dezembro de 2018, a imprensa revelou que um relatório do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou que Queiroz movimentou 1,2 milhão de reais em uma conta bancária entre 2016 e 2017 e recebeu vários depósitos de outros assessores de Flávio, muitas vezes em datas próximas do pagamento dos salários na Alerj.
A movimentação logo levantou a suspeita de que ele era o administrador de um esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio na Alerj. Depois disso, Queiroz apareceu raramente e em algumas ocasiões deu explicações contraditórias sobre a movimentação. Na última quinta-feira (24), o jornal “O Globo” divulgou áudio em que ele discute indicações para cargos em Brasília.
“Lapidar bagunça” do PSL
Nos áudios divulgados pela Folha, Queiroz também expressa o desejo de voltar ao PSL, partido de Bolsonaro, para ajudar o presidente a “lapidar a bagunça” no diretório regional do partido no Rio de Janeiro, que atualmente é comando por Flávio.
“Torcendo para essa pica passar. Vamos ver no que vai dar isso aí para voltar a trabalhar, que já estou agoniado. Estou agoniado de estar com esse problema todo aí, atrasando a minha vida e da minha família”, afirma.
Fabrício Queiroz também disse que pretende blindar o presidente. “Politicamente, eu só posso ir para partido. Trabalha isso aí com o chefe aí. Passando essa ventania aí, ficamos eu e você de frente. A gente nunca vai trair o cara. Ele sabe disso. E a gente blinda, a gente blinda legal essa porra aí. Espertalhão não vai se criar com a gente”, ressalta.
O ex-policial militar também lamentou pelo fato de estar impedido de atuar a favor da família Bolsonaro devido à exposição de seu nome e criticou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “As declarações dele humilha [sic] o Jair. Jair tinha que dar uma porrada nesse filha da puta. Botar o [ministro da Justiça] Sérgio Moro para ir no calço [sic] dele”, disse.
Funcionária fantasma
Em outro áudio, Queiroz conta que teria tratado com Bolsonaro sobre a demissão de uma funcionária fantasma do gabinete de seu filho vereador, Carlos Bolsonaro, para desvinculá-la da família devido a casos de funcionários laranja contratados pelo presidente e filhos que estavam revelados pela imprensa.
“Na época, o Jair falou para mim que ele ia exonerar a Cileide porque a reportagem estava indo direto lá na rua e para não vincular ela ao gabinete. Aí ele falou: ‘Vou ter que exonerar ela assim mesmo’. Ele exonerou e depois não arrumou nada para ela não?”, diz em um áudio gravado em março.
A funcionária seria Cileide Barbosa Mendes, que trabalhava como doméstica para a família Bolsonaro. Ela foi nomeada ao gabinete de Carlos Bolsonaro em 2001 e só foi exonerada no início de 2019. Em setembro, o Ministério Público do Rio abriu investigação para apurar a nomeação de funcionários fantasmas no gabinete do vereador.
Segundo a Folha, o áudio indica que o presidente não somente administra nomeações e exonerações em seu gabinete em Brasília como também nos de seus filhos.
De acordo com o diário paulistano, os áudios foram enviados pelo WhatsApp a um interlocutor não identificado, sendo que a fonte que repassou as gravações à Folha pediu para não ter o nome divulgado.
Em nota, o advogado Paulo Klein, que defende Queiroz, negou qualquer crime por parte de seu cliente. Sobre o caso de Cileide, o advogado disse que era preciso ter acesso à conversa completa.
“A transcrição parcial e clandestina retira o contexto em que as questões foram colocadas. Poderá induzir o público em erro, fazendo com que a convicção deste se forme através de frases soltas e sem a devida contextualização”, afirmou Klein.
À “Folha”, o advogado Frederick Wassef, que defende o filho do presidente da República, disse que não teve acesso aos áudios na íntegra, além de não saber as origens e período das gravações e, por isso, não iria se manifestar. (Com agências de notícias)