Depois de uma quase interminável discussão jurídica, emoldurada por teses díspares e reações acaloradas de setores da sociedade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 6 votos a 5, o que o texto constitucional determina de forma clara e livre de qualquer bamboleio interpretativo: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, artigo 5º, inciso LVII).
Causa espécie o STF gastar tanto tempo e discursos para decidir que o início do cumprimento de pena privativa de liberdade só é possível quando não mais existir possibilidade de recurso à Justiça. O resultado era esperado, até porque a ministra Rosa Weber mudou seu voto em relação ao proferido no julgamento de 2016, quando a Corte fixou entendimento que permitia a prisão após sentença de segundo grau.
Na sessão desta quinta-feira (7), encerrada depois das 21h30, votaram contra a prisão em segunda instância os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, decano da Corte, ao passo que a ministra Cármen Lúcia votou a favor, mantendo voto proferido em 2016. Com esses votos o placar ficou em 5 a 5, cabendo ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, o chamado “voto de Minerva”.
Além de Gilmar, Celso de Mello e Toffoli, votaram contra a prisão em segunda instância, em sessões anteriores, os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. A favor do início do cumprimento da pena após decisão colegiada votaram, além de Cármen Lúcia, os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
Em fevereiro de 2016, quando o plenário do STF julgou o mesmo tema, Dias Toffoli votou a favor da prisão em segunda instância, mas meses depois, em outubro daquele ano, mudou de ideia e apresentou tese pelas prisões a partir do julgamento do STJ, algo que defendeu recentemente como alternativa à polêmica que se formou em torno da matéria.
Ao perceber que não conseguiria convencer ao menos cinco ministros de que a tese da “prisão em terceira instância” seria a solução, Toffoli preferiu juntar-se aos defensores do trânsito em julgado, como determina a Carta Magna.
Ao iniciar a leitura do seu voto, Dias Toffoli não perdeu tempo para explicar a disparidade dos seus votos (2016 e a agora), alegando que nos julgamentos anteriores a Corte analisou recursos de réus específicos e condenados à prisão por homicídio e roubo qualificado, crimes considerados graves. No julgamento encerrado hoje, segundo Toffoli, o STF julgou ações de forma abstrata, sem ter na ementa um caso concreto.
De acordo com o presidente da Corte, na pauta estava o questionamento sobre convergência do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) no tocante ao artigo 5º (cláusula pétrea) da Constituição Federal.
O artigo 283 do CPP estabelece o seguinte: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Sendo assim, segundo o próprio Dias Toffoli, antecipar o início do cumprimento da pena configuraria violação da Carta Magna.
“Nesse texto normativo, temos que o parlamento pediu a prisão com trânsito em julgado. Não é o desejo do juiz, é o desejo dos representantes do povo brasileiro”, o ministro Dias Toffoli.
A polêmica criada no entorno da prisão em segunda instância se deve ao fato de que, propulsada pelos histriônicos da Lava-Jato, a sociedade passou a se preocupar com a possível soltura de Lula, quando deveria voltar a atenção a todos os cidadãos que são alvo de ações penais com sentença condenatória de segundo grau. Ou seja, a questão é de revanchismo ideológico, acompanhada pelo desejo incontrolável de uma parcela da sociedade que defende justiçamento.
O UCHO.INFO não tem procuração para defender corruptos, até porque nosso mister é denunciá-los de maneira responsável e com base em provas, como já ficou provado ao longo dos anos, mas é importante salientar que o Brasil vive sob o Estado de Direito e os incomodados com a legislação vigente devem se mobilizar para, através de Assembleia Constituinte, alterar a Carta Magna. Enquanto isso não acontecer, vale o que está na Constituição.
O combate à corrupção não se dá na esteira do atropelamento da lei maior do País, mas a partir do comprometimento da sociedade com a atividade política e a coisa pública, sem que aplaudidos sejam os setores da imprensa que se dedicam ao jornalismo de aluguel. Do contrário, queiram ou não, é ditadura.