Porteiro do condomínio de Bolsonaro muda versão em depoimento à PF, no escopo de investigação absurda

Sob o governo de Jair Bolsonaro, os ataques ao Estado de Direito e à lógica jurídica avança de tal maneira, que falar em democracia está próximo do devaneio. Em um país minimamente sério e respeitador do ordenamento legal, Bolsonaro já estaria respondendo a processo criminal por ter se apossado de provas relacionadas à investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Citado em depoimento à Polícia Civil do Rio de Janeiro pelo porteiro do condomínio onde mora na Barra da Tijuca, na capital fluminense, o presidente da República tomou para si as gravações dos diálogos entre os porteiros do empreendimento imobiliário e os moradores do local, como se isso fosse algo normal. Ao explicar a decisão de se apossar das gravações, Bolsonaro alegou que agiu para evitar a adulteração das provas. Apesar do escárnio investigatório e processual, o presidente sequer foi incomodado, dando a entender que no Brasil está sob o império do “vale tudo”.

Em mais um absurdo jurídico, o porteiro do condomínio que recepcionou um dos acusados de participação no duplo assassinato passou a ser investigado pela Polícia Federal, mesmo sendo testemunha do caso. Trata-se de atropelamento do ordenamento legal, pois investigar uma testemunha que não tem qualquer relação com os acusados é tão bizarro quanto inédito. Ademais, não caberia à PF tomar o depoimento do porteiro, já que o caso está sob a responsabilidade da Polícia Civil fluminense.

Depois de longos dias fora de cena e anteriormente ter afirmado em depoimento que conversara pelo interfone do condomínio com um interlocutor identificado como “Senhor Jair”, o porteiro disse à PF que registrou erroneamente a entrada do ex-policial militar Élcio Queiroz na casa de número 58, de propriedade de Jair Bolsonaro.


Era esperado que em novo depoimento o tal porteiro mudaria o discurso, pois a milícia bolsonarista entrou em ação rapidamente nos bastidores do caso com o intuito de abafar um escândalo de dimensões estratosféricas e que certamente poderia colocar o presidente da República em situação de dificuldade. A questão não é relacionar Jair Bolsonaro ao crime, mas de um dos assassinos ter informado na portaria que iria à casa do agora presidente da República.

Se Bolsonaro já provou que estava na Câmara dos Deputados no momento da chegada de Élcio Queiroz ao condomínio Vivendas da Barra, em 14 de março de 2018, colocar a PF para investigar o porteiro é no mínimo abuso de autoridade. Tomando por base o dito popular “quem não deve, não teme”, o presidente deveria deixar a investigação trilhar o curso normal. A entrada da PF no caso só aconteceu depois que o Jornal Nacional, da TV Globo, revelou trecho do depoimento do porteiro, sendo que Bolsonaro foi informado sobre seu conteúdo três semanas antes, pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou, a pedido do ministro Sérgio Moro (Justiça), que o funcionário fosse investigado pelo eventual cometimento de crimes como obstrução de Justiça, denunciação caluniosa, falso testemunho e violação de um artigo da Lei de Segurança Nacional, promulgada na ditadura militar.

Considerando que a investigação do crime está sob a jurisdição estadual, cabe ao Ministério Público fluminense questionar se o porteiro cometeu crimes, como os mencionados acima, é à Justiça do Rio de Janeiro decidir sobre o tema. De igual modo, não compete à Procuradoria-Geral da República determinar qualquer procedimento no âmbito de investigação que não está sob sua tutela.