Como se a prisão de Carlos Ghosn, em novembro de 2018, não tivesse sido espetacular o suficiente, a história sobre o ex-chefe da Renault-Nissan-Mitsubishi é enriquecida com um notável capítulo: uma fuga espetacular para o Líbano.
Libertado em abril de 2019 após quatro meses de prisão no Japão, com a condição de não deixar o país, Ghosn pagou fiança milionária e seus advogados argumentaram que o cliente era conhecido publicamente, o que o impediria de viajar sem ser reconhecido. Contudo, na virada do ano, Ghosn se manifestou, já no Líbano, reconhecendo que enganara as forças de segurança japonesas, sob cujos olhos ele havia deixado o país asiático.
A princípio, não ficou claro como isso poderia ter acontecido, afinal o executivo com múltiplas cidadanias (brasileira, francesa e libanesa) havia deixado com seus advogados seus três passaportes.
Agora, a emissora japonesa NHK informa que Ghosn tinha ainda um segundo passaporte francês – o qual ele poderia ter mantido, desrespeitando a uma ordem judicial. A agência de notícias Reuters soube por pessoas próximas a Ghosn que ele decidiu fugir quando o julgamento foi adiado para abril de 2021 – e porque ele foi permanentemente proibido de conversar com sua mulher, Carole.
O magnata é alvo de um mandado de prisão emitido pela Interpol e recebido pelo Líbano nesta quinta-feira (2). O ministro da Justiça do Líbano, Albert Sarhan, afirmou que o Ministério Público do país recebeu um aviso vermelho da Interpol sobre Ghosn, segundo a agência estatal de notícias NNA. Círculos da Justiça libanesa informaram que o empresário deve ser interrogado na próxima semana.
Investigação em Tóquio
Policiais e promotores japoneses em Tóquio investigam as circunstâncias da espetacular fuga de Carlos Ghosn, que, segundo o ex-executivo, foi planejada por somente ele. De acordo com o canal NHK, eles suspeitam que várias pessoas tenham ajudado na ação.
Os rumores mais incomuns já circulam sobre como Ghosn foi capaz de deixar o país – seu círculo próximo já negou a versão segundo a qual ele foi transportado em um estojo de instrumento musical, após um show privado, e colocado a bordo de um jato privado num pequeno aeroporto regional, para evitar os agentes de imigração.
Boatos também sugerem que sua mulher, Carole, esteve por trás da operação meticulosamente planejada e que ela trabalhou durante meses para pôr em prática o plano. Ghosn desmentiu essas informações em nota divulgada nesta quinta-feira (2).
“Houve especulações na mídia de que minha esposa, Carole, e outros membros da minha família tiveram um papel importante na minha saída do Japão. Toda essa especulação é imprecisa e falsa”, afirma o texto. “Eu, sozinho, organizei minha saída. Minha família não teve nenhum papel qualquer que seja.”
Os investigadores querem examinar imagens das câmeras de vigilância em torno da residência de Ghosn e de outros locais frequentados por ele. O apartamento de Ghosn em Tóquio também foi revistado nesta quinta-feira.
Enquanto isso, surgem os primeiros pedidos no Japão pelo acirramento das condições da fiança: um comentarista do jornal Yomiuri Shimbun, por exemplo, propôs que a fiança seja baseada no patrimônio do acusado e inclua o monitoramento via GPS da pessoa libertada sob fiança.
Prisões em Istambul
Antes de pousar com seu jato particular na capital libanesa, na noite de domingo (29), Ghosn fez uma escala em Istambul. Agora, essa etapa da jornada também tem consequências para as autoridades: segundo informações da emissora turca NTV, o Ministério do Interior ordenou investigações para saber como Ghosn pode ter usado a Turquia como país de trânsito.
Também nesta quinta-feira, sete pessoas foram presas em Istambul para interrogatório – de acordo com a mídia local, são quatro pilotos, dois funcionários de serviços terrestres do aeroporto e um diretor de uma empresa de carga privada.
Segurança na França e no Líbano
Fugindo das autoridades japonesas e possivelmente também das turcas, Ghosn poderia se sentir seguro pelo menos na França. “Se o senhor Ghosn viesse para a França, não extraditaríamos o senhor Ghosn, porque a França nunca extradita seus próprios cidadãos”, disse a secretária de Estado de Economia e Finanças da França, Agnès Pannier-Runacher, à emissora de televisão francesa BFMTV. No entanto, ela enfatizou que ninguém está acima da lei. As autoridades francesas disseram ter tido conhecimento da surpreendente fuga de Ghosn através da mídia.
Por enquanto, Carlos Ghosn, que renunciou à sua última posição no conselho de administração da Renault há apenas um ano, permanece no Líbano. A possibilidade de que Beirute extradite o executivo para o Japão pode praticamente ser descartada – não há acordo de extradição entre os dois países. O governo libanês já disse que Ghosn entrou no país legalmente e que não há razão para se tomar medidas contra ele.
E assim, a história sobre o ex-executivo de alto escalão, que foi preso e indiciado em Tóquio em 2018 por violar as regras do mercado financeiro, ainda deve ter algumas reviravoltas. Na próxima semana, Ghosn, procurado no Japão, pretende se explicar diante da imprensa mundial – em Beirute. (Com agências internacionais)