O tempo e o vento

(*) Carlos Brickmann

Até agora, nada: a represália do Irã contra o ataque americano que matou o general Kassem Suleimani se resumiu a promessas de vingança e a uma atitude ridícula: o Parlamento iraniano decidiu considerar o Ministério da Defesa dos Estados Unidos uma organização terrorista. Besteira: parece ter ficado claro que a ordem de ataque ao general Suleimani partiu de Trump, o presidente da República, e não de seu Ministério da Defesa. Besteira dupla: quando uma organização é considerada terrorista, negociar com ela é uma atitude hostil a quem emitiu a declaração. Os terroristas se transformam em párias internacionais, com dificuldades para negociar, viajar, se abastecer de maneira legal. Imaginemos que declarar o Ministério da Defesa americano uma organização terrorista seja algo levado a sério: quem iria deixar de negociar com os americanos para agradar os aiatolás do Irã e seus generais?

Mas a paralisia iraniana diante do ataque não deve durar para sempre. A qualquer momento, os iranianos ou seus aliados (houthis do Iêmen, milícias xiitas do Iraque, Hizbollah libanês ou Hamas de Gaza) podem desfechar atentados terroristas contra os americanos ou Israel (que nada teve com o caso mas é sempre alvo das represálias); ou, tentando criar o caos econômico, podem tentar bombardear refinarias da Arábia Saudita, bloquear o Estreito de Ormuz (são 10 km de largura, onde passam 30% do tráfego marítimo de petróleo), com navios afundados ou minas.

O vendaval é questão de tempo.

E daí?

Nem os países mais próximos do Irã, como Rússia, China e Síria, fizeram movimentações militares. Houve reclamações contra os Estados Unidos, o mesmo que fez o Iraque, exigindo que as tropas estrangeiras deixem o país. Os soldados americanos são tropas estrangeiras; e as milícias xiitas, que são iraquianas mas obedecem a comando estrangeiro, continuam ou não? Será de interesse do Governo iraquiano se colocar militarmente na dependência do vizinho mais poderoso, com o qual esteve em guerra nem faz tanto tempo? E se Trump não quiser retirar as tropas, que é que o Iraque pode fazer? O Rato que Ruge, delicioso filme em que um paisinho declara guerra aos Estados Unidos e ganha (seu objetivo era perder e receber ajuda econômica, como o Plano Marshall que ajudou a reerguer a Europa após a Segunda Guerra), foi ótimo. Mas não passava de um filme – pura e divertida ficção.

Amanhã…

Aparentemente, o máximo que iranianos e aliados podem esperar é um atentado espetacular, como o das Torres Gêmeas. É uma grande vingança, mas sem efeitos a longo prazo. Bombardear uma refinaria saudita, ou mesmo americana, tumultua o mercado por algum tempo, e só. Há limites para o que um pequeno país pode fazer para incomodar um grande. Prejuízos, mortes, sacudidas na economia, não muito mais do que isso. É o que deve ocorrer.

…vai ser outro dia

Já países menos poderosos, aliados dos americanos, sofrerão mais, mas nada que quebre suas pernas. Hoje não há como desencadear uma crise do petróleo. A embaixadora brasileira em exercício em Teerã foi convocada pelo Governo iraniano para explicar a declaração de que o Brasil “está solidário com a luta contra o terrorismo”, que Teerã leu corretamente como apoio à ação americana. Isso pode custar ao Brasil a perda de alguns bilhões de dólares anuais – cinco, talvez. O Brasil aguenta bem, embora não goste da perda. E o Irã, onde se abastecerá? Soja, milho, carne, Brasil, Austrália, EUA – é provável que o Brasil, para os aiatolás, seja o fornecedor mais aceitável.

As imagens do petista

O deputado federal Carlos Zarattini, do PT paulista, divulgou “as imagens do bárbaro massacre” que, a seu ver, foi o ataque do drone americano ao general iraniano Kassem Suleimani, no aeroporto de Bagdá, Iraque. Onde terá conseguido essas imagens? No próprio drone? Na United States Air Force? Não: ele simplesmente apresentou como “imagens do bárbaro massacre” um vídeo game vendido em todo o mundo desde 2015.

A propósito, Carlos Zarattini é membro da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Fake News, notícias falsas.

Os dois lados da moeda

O presidente Bolsonaro abriu fogo contra os jornalistas em geral (“uma raça em extinção”), ao reclamar de uma notícia publicada no UOL segundo a qual, embora sugira aos eleitores que não votem em candidatos que usem recursos dos fundos eleitorais, ele mesmo gastou recursos públicos em sua campanha de 2014. Bolsonaro, irritado, disse que cada vez menos pessoas confiam na imprensa e que os jornais envenenam e desinformam. Bolsonaro só não informou se a informação divulgada pelo UOL é verdade ou mentira.

Outros casos

O caso Queiroz, revelado pela imprensa, também irritou o presidente. Mas até agora o que se soube do caso não demonstrou que seja falso.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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