Moro ameaça deixar o governo caso Bolsonaro insista em recriar o Ministério da Segurança Pública

Se até dias atrás a silenciosa queda de braços entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro estava restrita aos bastidores do poder, nesta quinta-feira (23) o entrevero ganhou força e publicidade, o que não significa que aqueles que acompanham o cotidiano do governo desconhecessem a disputa que cresceu nos últimos tempos.

Moro, que por pouco não foi demitido e também por um triz não pediu demissão, é candidato à Presidência da República em 2022, mesmo que negue quando perguntado sobre o tema. A decisão de abandonar a magistratura e ingressar no Executivo, integrando um governo que flerta com o retrocesso e o obscurantismo, fazia parte de um projeto de poder que precisava ser colocado em marcha a qualquer custo, independentemente da bandeira ideológica que o viabilizasse.

Com a chegada de Bolsonaro no segundo turno da corrida presidencial de 2018, Moro passou a arremessar as franjas de seu projeto político na direção do então candidato do PSL, ciente de que estando ministro de Estado poderia viabilizar seu plano com mais facilidade. Até porque, tendo o controle da Polícia Federal e comandado as políticas para a área de segurança pública, Moro teria condições, mesmo que pequenas, de emparedar adversários, inclusive o próprio Bolsonaro.

Nesta quinta-feira, ao deixar o Palácio da Alvorada, o presidente da República afirmou que está debruçado sobre um projeto de recriação do Ministério da Segurança Pública, decisão que, se levada adiante, esvaziará o poder de Moro e reduzirá seu cacife para a próxima disputa presidencial. Não é de hoje que Bolsonaro demonstra incômodo com as pretensões políticas do ministro da Justiça, que até outro dia era tido como próximo indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Como o presidente disse que o próximo escolhido para o STF será um evangélico, Moro retomou com mais ímpeto seu projeto político.

Com a informação de que é grande a chance de a pasta da Segurança Pública ser recriada, Moro preferiu não ficar calado e afirmou a aliados que o anúncio, se confirmado, fará com que ele deixe o governo. Horas antes, Bolsonaro disse que ao convidar o ex-juiz para integrar o governo não fez qualquer promessa de unificar a Justiça com a Segurança Pública. O que não é verdade. Moro, por sua vez, alega que sua proposta foi de combater o crime organizado, ação que depende de comandar a segurança pública.

Esse cabo de guerra que já contrapunha Bolsonaro e Moro, mas que só agora veio a público, está longe de acabar, mas nos próximos dias deve perder força com a ausência do presidente da República, que está em viagem oficial à Índia. Mesmo assim, assessores palacianos e pessoas próximas a Bolsonaro podem alimentar a fogueira com declarações inflamadas, como é o caso do ex-deputado federal Alberto Fraga.

Cotado para assumir o Ministério da Segurança Pública em caso de eventual desmembramento da pasta, Fraga, que é militar e próximo a Bolsonaro, já partiu para o ataque e minimizou a atuação de Moro como ministro.

“Eu sou autor de 15 projetos de lei em relação à segurança pública, sempre trabalhei na comissão da segurança. Sou coronel da Polícia Militar da reserva e não sou o dono da verdade. Vou vivendo e aprendendo coisas novas no dia a dia. Como é que alguém vem e intitula alguém que é juiz como o bambambam? Não, isso está errado”, disse Alberto Fraga. “Quero que você me aponte qual foi a medida que ele (Moro) adotou (para a redução da criminalidade)”, completou.

“Não há relação direta, com todo o respeito que eu tenho ao ministro Moro, que é um ícone no combate à corrupção. Mas vamos dar a César o que é de César. Num momento como esse, você esquecer o esforço dos governos estaduais é sacanagem. Todo mundo sabe que os números que aí estão foram consequência da criação do ministério da Segurança Pública quando era isolado (no governo de Michel Temer). Isso é importante dizer. O mérito da redução da criminalidade é das polícias estaduais. É uma covardia dizer que é do ministério da Segurança Pública”, declarou o ex-parlamentar.

Esse chumbo trocado tem ingrediente de sobra para acabar mal, sendo que o maior prejudicado certamente será Jair Bolsonaro, já que o ex-juiz da Lava-Jato foi, de maneira equivocada, alçado ao panteão dos heróis nacionais apenas pelo fato de ter violado a lei para punir corruptos, como se tal postura merecesse elogios e reconhecimento.

Em breve, a famosa turma do “deixa disso” entrará em cena para que o imbróglio retorne aos subterrâneos do poder e não contamine a opinião pública, pois a continuar como se encontra hoje o episódio servirá para afetar a governabilidade do País. E quando a chegada ao poder está na alça de mira de alguém, tudo vale, inclusive inviabilizar o futuro da nação. Só quem conhece os meandros da política sabe o quanto isso é verdade. Lembrando que a extrema direita brasileira é mais “morista” do que “bolsonarista”.