Quando o UCHO.INFO afirma que o governo de Jair Bolsonaro é uma reunião de incompetentes que sofrem de histrionismo, preservadas algumas raríssimas exceções, os apoiadores do presidente da República se rebelam enfurecidos, como se fugir à realidade dos fatos fosse algo normal, apesar de ter se tornado comum nesse país movido pela intolerância.
A questão dos brasileiros que vivem na China e precisaram implorar para que o Palácio do Planalto, a exemplo do que têm outros governos com seus cidadãos, os resgatassem o quanto antes é prova cabal dessa incompetência que tem fermentado a desconfiança dos que ainda preservam a massa cinzenta.
Na última sexta-feira (31), Bolsonaro, à porta do Palácio da Alvorada, alegou que o governo não tomaria nenhuma medida em relação aos brasileiros que vivem em Wuhan porque o País não tem legislação que trata de quarentena, medida necessária para pessoas que estão em locais com risco de contaminação viral.
Muito estranhamente, Jair Bolsonaro teve um lapso de memória, pois a legislação nacional permite ao presidente da República a edição de medidas provisórias em caso de urgência e relevância, que se encaixa na situação vivida pelos brasileiros na China. Contudo, o mesmo Bolsonaro não demorou muito tempo para, valendo-se da legislação vigente, transferir o Coaf do Ministério da Justiça para a pasta da Economia, o que de certa maneira amenizou o calvário do seu filho Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, no escândalo da malfadadas “rachadinhas”.
No domingo (2), em nota publicada na internet, os brasileiros residentes em Wuhan pressionaram o governo brasileiro, obrigando, horas mais tarde, os ministérios da Defesa e das Relações Exteriores a confirmarem o processo de repatriação.
“O governo brasileiro adota todas as medidas necessárias para trazer de volta ao Brasil os cidadãos brasileiros que se encontram na província de Hubei, especificamente na cidade de Wuhan, na China, região de origem da epidemia do coronavírus. Serão trazidos todos os brasileiros que se encontram naquela região e que manifestarem desejo de retornar ao Brasil”, informa comunicado divulgado pelo Itamaraty.
“Assim que chegarem ao Brasil, eles deverão ser submetidos a quarentena, de acordo com procedimentos internacionais, sob a orientação do Ministério da Saúde”, prossegue a nota conjunta dos dois ministérios.
Questionado sobre o vídeo divulgado na internet pelos brasileiros residentes em Wuhan, o Palácio do Planalto se recusou a comentar. Bolsonaro, que de chofre mostrou-se resistente ao processo de repatriação dos brasileiros, descartou o uso de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) na operação. E para isso usou a desculpa de que a legislação atual não permite o processo de quarentena, o que exigiria a interferência do Congresso.
“Se não tiver redondinho no Brasil, não vamos buscar ninguém. A intenção do presidente não vai buscar ninguém. Quem quer vir para cá tem que se submeter aos trâmites de proteção dos 210 milhões que estão aqui”, afirmou Bolsonaro.
Nesse espetáculo de incompetência, dois fatores levaram o governo a recuar e mudar de ideia. O primeiro deles foi o fato de que dias antes o próprio Bolsonaro condenou com veemência o uso de um avião da FAB pelo ex-secretário-executivo da Casa Civil em viagem entre a Suíça e a Índia, operação que teria custado aos cofres públicos algo em torno de R$ 900 mil. No caso dos brasileiros em Wuhan trata-se de questão humanitária, mas o presidente da República precisa passar ao eleitorado a falsa sensação da probidade.
O segundo fator é que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não demorou a se manifestar a favor dos brasileiros que imploraram pela repatriação. Diante do gesto de Alcolumbre e ciente de que está com a popularidade estacionada, Bolsonaro decidiu, mais uma vez, jogar para a plateia. Em suma, nem mesmo para fazer política o presidente da República tem competência.
Apelo pelo YouTube
Antes do comunicado dos ministérios anunciando a repatriação, um grupo de brasileiros na China gravou um vídeo para apelar ao governo de Jair Bolsonaro por auxílio na retirada de cidadãos do país asiático em meio ao surto do novo coronavírus.
O vídeo foi publicado neste domingo no YouTube e mostra cerca de 15 brasileiros que se dizem residentes na cidade chinesa de Wuhan. Eles garantem que nenhum deles está infectado com o vírus e se dizem dispostos a permanecer em quarentena quando retornarem ao Brasil.
Durante seis minutos, o grupo lê uma carta-aberta datada de 30 de janeiro, destinada ao presidente Bolsonaro e ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
“Escrevemos-lhes esta carta para solicitar o auxílio do governo brasileiro no retorno ao nosso país. Somos homens, mulheres e crianças de vários estados e regiões do Brasil. Estudantes e trabalhadores, indivíduos e famílias de brasileiros na China.”
Os brasileiros lembram que, diante do surto, vários países já começaram operações de retirada de seus cidadãos da região de Wuhan, com cooperação do governo local. Entre eles estão Alemanha, França, Reino Unido, Coreia do Sul, Índia, Turquia, Indonésia e Arábia Saudita.
“Isso demonstra que o governo chinês está aberto a ações desse tipo, e que não há, portanto, nenhum impedimento oficial, em nível local ou nacional, à repatriação de cidadãos brasileiros”, diz um homem no vídeo.
“Esperamos que, como presidente da República Federativa do Brasil e na qualidade de representante máximo da diplomacia brasileira, vossas excelências nos deem todo o apoio de que precisamos neste momento de dificuldade”, afirma uma mulher, pleiteando a repatriação.
Eles ainda deixam claro que, no momento em que a carta foi escrita, não havia qualquer caso de contaminação comprovada ou sintomas de infecção por coronavírus entre os brasileiros que assinam o documento.
O grupo também se diz “plenamente disposto” a passar pelo período de quarentena e observação após a chegada ao Brasil, além de “cooperar com o governo brasileiro a fim de prevenir o avanço da doença”.
“Cientes de nossos direitos e deveres como cidadãos brasileiros, aguardamos uma resposta rápida e eficiente nesse momento de urgência”, conclui uma criança nas imagens. O vídeo termina com cada um deles repetindo a frase “Brasil, a casa de todos nós”.
Segundo dados oficiais, cerca de 11 mil brasileiros vivem atualmente na China e aproximadamente 40 deles estão na região de Wuhan.