Atacar a imprensa é o valhacouto de governantes fascistas, imbecis e calhordas

(*) Ucho Haddad

Pode parecer insistência de minha parte, mas ainda na corrida presidencial de 2018 afirmei, sem medo de errar, que Jair Bolsonaro, se eleito, daria um “cavalo de pau” na democracia em algum momento. Desqualificado, incompetente e de intelectualidade delinquente e torpe, Bolsonaro não aceita o contraditório, apesar de afirmar falsamente ser um defensor da democracia. O atual presidente da República, que nos primeiros passos do seu (des)governo ousou falar em “velha política”, nada mais é do que rebotalho da velhacaria da política nacional.

Em que pese o direito constitucional de cada cidadão à opinião – e de externá-la livremente –, direito esse que se estende a Bolsonaro, não cabe ao presidente da República atropelar a liturgia do cargo que ocupa para, agindo como gerente de bataclã, atacar uma jornalista competente e séria com insinuações sexuais, fazendo eco ao depoimento mentiroso de alguém envolvido no esquema criminoso de disparo em massa de mensagens por aplicativos.

Atacar a honra da jornalista Patrícia Campos Mello, da “Folha de S.Paulo”, e difamá-la sem razão apenas porque desaprovou as reportagens sobre o esquema bandoleiro de disparo de mensagens, mostra que Bolsonaro coloca cada vez mais a democracia brasileira à beira do precipício, sem contar sua obsessão em golpear o Estado de Direito. Além disso, a forma recorrente como o presidente vem atacando a imprensa segue a cartilha burra da extrema direita, que insiste em apostar todas as fichas na polarização da sociedade como forma de manter-se no poder, não importando a verdade dos fatos e o bom-senso. A essa súcia, sempre abduzida, interessa achincalhar todos aqueles que contrariam um détraqué que, por ocupar a Presidência, acredita estar acima da lei e de todos, algo inaceitável na democracia.

Amparado por uma claque composta por apasquinados que vão ao gáudio com seus constantes devaneios, Jair Bolsonaro continua em campanha, quando na verdade já deveria ter descido do palanque e começado a governar, algo que evita fazer porque sua competência é suficiente apenas e tão somente para gerir a estrebaria do quartel. E não foi por falta de aviso. Aliás, o presidente só consegue espaço na mídia à sombra de seus desvarios, pois até agora nada produziu em termos de governança a ponto de ser noticiado. Pelo que consta, o Brasil não foi alçado ao status de lupanar da esquina para viver em meio a declarações de fazer corar a mais despudorada das cafetinas.

Ultrapassa as fronteiras do aceitável um chefe de Estado que, acreditando ser dono do País, age como se fosse o corifeu da imbecilidade que embala uma minoria tosca, chula e enfurecida, avalista recorrente dos destampatórios presidenciais.

Depois de tantos insultos e aberrações discursivas, não é novidade que a psiquê do presidente é merecedora de estudos aprofundados, algo que Sigmund Freud, se vivo estivesse, talvez pensaria duas vezes antes de aceitar o desafio. Contudo, se a mente do chefe da nação merece ser estudada, a capacidade de raciocínio deveria considerada caso perdido, como bem descreveu Lúcio Apuleio, escritor e filósofo romano que se dedicou ao platonismo eclético e tornou-se famoso com a obra “Asinus aureus” (O asno de ouro). Em sua obra, Apuleio, como se tivesse conhecido o presidente brasileiro em outras vidas, relata a saga de um homem acometido pela “asinina cogitatio” (raciocínio de burro, em latim).

Ninguém pode tirar o direito de Jair Bolsonaro de alimentar a ilusão de que é o derradeiro gênio da raça, pois afinal é invejável sua disposição para acionar a manivela do besteirol, mas querer que a extensa maioria da população creia nessa falácia é excesso de autoestima ou ausência de bom-senso, até porque seu raciocínio, quando em pleno funcionamento, é escorço.

Enquanto Bolsonaro dispara sua metralhadora discursiva na portaria do Palácio da Alvorada, fazendo a alegria das messalinas que o aplaudem todas as manhãs, no forte apache em que se transformou a sede do governo até mesmo os generais entram em desespero. O ataque sórdido e deselegante à jornalista Patrícia Campos Mello levou o staff palaciano a acender a luz vermelha, em clara demonstração de que o presidente passara dos limites.

Ser calhorda é questão de escolha, ser covarde é sinal de fraqueza e desespero. Como a necessidade não tem limite e Bolsonaro há muito perdeu a vergonha, mudar o discurso em questão de poucas horas tornou-se algo comum, o que está a anos-luz de ser normal. Possivelmente aconselhado por assessores palacianos, que enxergaram no ataque à jornalista da Folha uma senha para pedido de impeachment, Bolsonaro agiu como sempre: vestiu a fantasia do incompreendido. De volta ao Palácio da Alvorada, o dissimulado presidente, dirigindo-se aos repórteres que batem ponto na residência presidencial, perguntou em tom de deboche se de fato ele tinha desferido ataque à respeitadíssima Patrícia Campos Mello.

Bolsonaro foi avisado pelo generalato palaciano que violou o que dispõe a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, conhecida como Lei do Impeachment, por isso adotou uma postura rasteira e covarde, previamente estudada, para, mais adiante, em eventual demanda judicial, alegar que sua fala não passou de manifestação política tirada do contexto pela imprensa, a exemplo do que aconteceu quando ofendeu o também jornalista Glenn Greenwald. Em suma, calinada da pior qualidade que a Justiça, em algum momento, há de engolir dando risada, uma vez que o Brasil é o paraíso do “faz de conta”.

Até recentemente, Bolsonaro causava-me vergonha, pois ao longo de mais de quatro décadas de carreira jornalística jamais presenciei comportamento tão acintoso e cabotino como o do atual presidente, nem mesmo nos tempos da ditadura militar. De alguns meses para cá, o presidente da República, a reboque de postura que mescla fanfarronice com chauvinismo tupiniquim e delinquência intelectual, provoca-me nojo, náuseas.

Mesmo assim, sem jamais descer ao nível desse dementado com mandato, resistirei com coragem e galhardia, rebatendo as grosserias oficiais com contundência, firmeza e sabedoria. Não adotarei o modelo “politicamente correto”, seguido por muitos da imprensa verde-loura para esconder o temor que permeia uma desejada e sonhada reação, mas manterei a coerência de sempre. Afinal, diante de fascistas, imbecis e calhordas a melhor receita é não baixar a guarda.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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