O que deu uma “queimadinha” foi o seu cérebro, presidente!

(*) Ucho Haddad

“Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso.” (Bertolt Brecht)

O que esperar de um chefe de Estado que, como rebotalho da ignorância, sugere à sociedade que defeque em dias alternados para ajudar na solução dos problemas ambientais? Talvez, por ter adotado essa regra, seu cérebro funcione como latrina.

O que esperar de um presidente que diz ter feito empréstimo a um amigo de longa data, sócio de um miliciano morto, ataca de maneira tope e covarde um jornalista que perguntou sobre eventuais comprovantes dessa transação financeira? “Porra rapaz, pergunta para sua mãe o comprovante que ela deu para o seu pai, tá certo?”, respondeu o presidente. Se o governante fosse sério e coerente e a transação, lícita, não haveria problema em disponibilizar os respectivos comprovantes. Como não é, prevalece o dito popular “o ataque é a melhor defesa”.

O que esperar de um governante que ao ser questionado sobre a transferência de uma embaixada brasileira no exterior pergunta se o jornalista pretende se casar com ele? “Você pretende se casar comigo um dia? Não seja preconceituoso! Você, você não gosta de loiro de olhos azuis?”, perguntou o presidente.

O que esperar de um presidente que diante de perguntas sobre eventuais deslizes (leia-se crimes no exercício do mandato) do filho senador afirma que o repórter tem “cara de homossexual”. “Você tem uma cara de homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual”, disse o presidente.

Como já afirmei em várias ocasiões, a projeção é tratada pela Psicologia como mecanismo de defesa em que os atributos indesejados de determinada pessoa são transferidos a terceiros. Talvez fosse o caso de o tal presidente procurar um confortável divã ou pedir para que algum assessor palaciano encontre um chaveiro especialista em armário.

O que esperar de um presidente que por desaprovar determinada reportagem ataca uma jornalista séria e competente, além de premiadíssima, com insinuações sexuais? Talvez o presidente acredite que a maioria age da mesma maneira como ele agia enquanto parlamentar, quando usava imóvel funcional para “comer gente”. Sinto-me na obrigação de lembrar que o agora presidente, que tem necessidade doentia de falar sobre sua suposta virilidade, não falou que tipo de “gente comia” no tal imóvel.

O que esperar de um presidente que, com o DNA do totalitarismo, não aceita o contraditório e sonha em encabrestar a imprensa livre? Não faz muito tempo, o presidente sugeriu que os jornalistas profissionais, que noticiam a verdade, são uma “espécie em extinção”. “Vocês são uma espécie em extinção. Acho que vou botar os jornalistas do Brasil vinculados ao Ibama. Vocês são uma raça em extinção”.

Goste ou não o presidente, mas para a sorte da democracia e do Estado de Direito, os jornalistas não são uma espécie em extinção. Na verdade, para desespero do presidente, os jornalistas representam o paráclito da parcela pensante da sociedade, que, lembro, não é pequena. Para infelicidade geral da nação, os imbecis não são uma espécie em extinção, pelo contrário, aumentam cada vez mais na esteira dos destampatórios presidenciais.

O que esperar de um presidente que faz galhofa ao se referir publicamente a um amigo preto (negros são pretos e pardos)? Em transmissão ao vivo pela internet, o presidente chama o amigo para participar do vídeo e resolve explicar sua negritude.

“O ‘negão’ é o Hélio, hein, meu irmão que demorou para nascer. Demorou dez meses para nascer. Deu uma queimadinha no Hélio aí… senão ele seria a minha cara”, disse o presidente, com sua conhecida e irônica risada.

Que alguém avise ao imbecil do presidente que dos mais de 209 milhões de brasileiros, 56,10% são negros, ou seja, pretos e pardos. E ninguém “deu uma queimadinha”, como sugeriu o delinquente intelectual que conquistou o direito de subir a rampa do Palácio do Planalto, dando a entender que o ventre materno é um forno.

A súcia de adoradores do presidente, sem ter como justificar o besteirol oficial, agora se volta contra a imprensa alegando que o tosco tem o direito de “desopilar o fígado”. Realmente isso pode ter um fundo de verdade, até porque o presidente é desprovido de neurônios.

Alguém precisa avisar ao presidente que, de acordo com o Atlas da Violência de 2019, divulgado pelo Ipea, 75,5% das vítimas de assassinato em 2017 eram indivíduos negros. Essas pessoas não morreram porque “deram uma queimadinha”.

Minha mãe de criação era negra, nem por isso “deu uma queimadinha”, seu desqualificado e racista. Tenho irmãos e sobrinhos negros, nem por isso eles “deram uma queimadinha”, seu otário e preconceituoso.

Imaginei que na última eleição presidencial, ao ir às urnas, a sociedade escolheria o próximo governante do País, mas, ao que parece, escolheu-se alguém com vocação para proxenetismo discursivo, gerente de estrebaria, chefe de abduzidos, porteiro de casa de alterne, entre tantas competências.

Tenho sérias reservas com quem, agindo como crentelho contumaz, fala em Deus aqui e acolá, mas na prática mostra-se preposto de lúcifer. Esse comportamento dual encaixa-se com precisão de relojoeiro no questionável cotidiano do presidente, que estende uma mão ao Senhor e outra ao diabo. Na verdade, mais ao diabo do que ao Senhor.

Idolatrado pela massa ignara e incensado pela porção míope e canalha da elite, o presidente continua acreditando ser o derradeiro gênio da raça, mas recusa-se a perceber que seus discursos, verdadeiras calinadas, são nefandos, mesmo que garantam o êxtase à horda de seguidores.

Poderia sugerir ao presidente uma catarse, mas não posso jogar uma cortina de fumaça sobre a realidade, ou seja, é impossível acreditar nesse milagre. Até porque, isso seria exigir demais do Senhor, cada vez mais ocupado com essa barafunda que avança rumo ao totalitarismo e à bestialidade oficial.

Desprovido de competência, algo que seu currículo político dispensa maiores apresentações, o presidente enfrenta a realidade como se fosse um tauromáquico na arena da política, enquanto seus apoiadores imaginam estar no Coliseu tupiniquim, à espera de ver jorrar o sangue dos que consideram adversários. Pelo que sei, não voltamos a viver na época das cavernas.

Na verdade, com todo respeito que os esquizofrênicos merecem, o presidente criou para si uma “esquizofrenia particular”, pois inventa a cada dia um novo inimigo para ter com quem digladiar. Só assim, a reboque da própria cretinice e do imaginário de conveniência, consegue ser notícia.

Custo a acreditar que o presidente ofende uma jornalista com insinuações sexuais, revelando-se covarde e chauvinista, enquanto a primeira-dama permanece calada e encastelada na residência oficial. Tivesse doses rasas de brio, teria feito as malas e tomado o rumo da vida. De duas uma: ou concorda ou convém.

Custo a acreditar que o presidente ofende os negros de todo o País ao dizer que seu amigo “deu uma queimadinha”, sem que ninguém tivesse saído às ruas e paralisado essa baderna em que se transformou o Brasil. De duas uma: ou consideram-no um delinquente ou não protestam porque têm medo.

Dado às bulhas, o presidente insiste em fazer de suas declarações um permanente entrudo – aproveito o período momesco para usar o termo “entrudo” –, mas não posso deixar de reconhecer que o chefe da nação (sabe-se lá por quanto tempo) não passa de um piroso, como dizem os lusitanos.

Para finalizar, o presidente é um détraqué que incorre no crime de racismo por acreditar que esse comportamento agrade à turba adepta do “pão e circo”, mas é inegável que, diante de tudo que temos presenciado, o que de fato “deu um queimadinha” foi o cérebro dele.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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