Ministro da Saúde, o ortopedista Luiz Henrique Mandetta tem recorrido ao campo científico para defender as medidas adotadas no combate ao novo coronavírus, sendo a principal delas o isolamento social. Se a ciência foi motivo suficiente para que o presidente da República ameaçasse demitir Mandetta por causa do seu protagonismo, mas foi obrigado a recuar por conta das pressões intramuros, ao anunciar sua permanência na pasta o ministro recorreu à Filosofia para dar mais uma estocada em Jair Bolsonaro.
Ao afirmar que aproveitou o último final de semana descansar e reler – e tentar compreender – “O Mito da Caverna”, metáfora do filósofo grego Platão que consta da excepcional obra “A República”, o ministro mandou um duro recado ao presidente, cuja inabilidade política e a pouca intimidade com a cultura são marcas registradas.
Quem leu “A República”, que discorre sobre a política ateniense nos tempos da Grécia Antiga, sabe que citar “O Mito da Caverna” para quem é chamado de “mito” por seus apoiadores é um quase irrecusável convite para a briga. Na parábola que representa “O Mito da Caverna”, Platão relaciona a importância do conhecimento da verdade a partir do raciocínio à possibilidade de uma boa gestão do governante.
A parábola é narrada pelo filósofo ateniense em um diálogo entre Sócrates e Glauco, no qual o primeiro sugere ao segundo imaginar um cenário em que pessoas estão aprisionadas em uma caverna, com as mãos acorrentadas e com os rostos virados para a parede. Todos enxergam apenas sombras, até que um dos aprisionados consegue livrar-se das amarras e percebe que uma fogueira projeta nas paredes sombras de gestos feitos por terceiros diante das chamas.
No diálogo, o homem que se livrou das correntes sai da caverna e depara-se com um cenário inusitado, cuja realidade é maior e mais complexa do que ele imaginava existir enquanto vivia contemplando as sombras.
Incomodado com a luz do Sol, já que passou longo tempo na quase escuridão, o homem de chofre é tomado por uma visão ofuscada, mas em seguida começa a perceber que a realidade do mundo é diferente daquilo que acostumou-se a ver.
É nesse ponto do diálogo entre Sócrates e Platão que surge o dilema que passa a atormentar o tal homem: retornar à caverna e ser classificado como louco por aqueles que continuavam acorrentados ou descobrir o novo mundo que passou a enxergar quando libertou-se das amarras.
O objetivo de Platão com essa metáfora foi revelar os níveis do saber. Há o nível inferior, no qual o conhecimento é alcançado pelos sentidos (é o caso das sombras na caverna) e o nível mais elevado, em que o conhecimento, chamado de racional, é conquistado quando o homem se permite enxergar além da caverna.
Ao citar “O Mito da Caverna”, Mandetta não o fez para revelar aos jornalistas que após décadas ainda tenta compreender a obra de Platão. Pelo contrário, o ministro compreendeu muitíssimo bem o que escreveu o filósofo ateniense, a ponto de fazer um paralelo inominado entre Bolsonaro e o homem que durante longo período imaginava que o mundo se resumia às sombras projetadas nas paredes da caverna.