Após participar de ato contra o Congresso e o STF, Bolsonaro faz-se de dissimulado e defende a democracia

 
Alvo de duras críticas após discursar, no domingo (19), durante um ato em Brasília a favor da intervenção militar e do fechamento do Congresso Nacional e do STF, o presidente Jair Bolsonaro, incomodado com as reações dos políticos e das instituições, recorreu à dissimulação e disse ser contra o fim da democracia. “

“No que depender do presidente Jair Bolsonaro, democracia e liberdade acima de tudo. O pessoal geralmente conspira para chegar no poder. Eu já estou no poder. Eu já sou o presidente da República. […] Eu sou realmente a Constituição”, disse Bolsonaro, em mais um dos seus conhecidos delírios discursivos.

O presidente da República, como sempre acontece, foi obrigado a desdizer-se porque o generalato palaciano desaprovou sua participação no evento que defendeu a volta do AI-5. Além disso, as Forças Armadas, mesmo que de forma não oficial, afirmam que não embarcarão em qualquer aventura que atente contra a democracia.

Um dos mais visados pelos manifestantes no domingo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ser uma “crueldade imperdoável” pregar uma ruptura democrática em meio às mortes em decorrência da pandemia de covid-19, a doença respiratória causada pelo novo coronavírus.

“O mundo inteiro está unido contra o coronavírus. No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos. Em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição”, escreveu Maia em sua conta no Twitter.

“São, ao todo, 2.462 mortes registradas no Brasil. Pregar uma ruptura democrática diante dessas mortes é uma crueldade imperdoável com as famílias das vítimas e um desprezo com doentes e desempregados”, prosseguiu Maia. “Não temos tempo a perder com retóricas golpistas.”

Além da indisposição com o presidente da Câmara dos Deputados, Bolsonaro tem se envolvido em atritos com governadores e o Supremo Tribunal Federal (STF).

“Tempos estranhos! Não há espaços para retrocesso. Os ares são democráticos e assim continuarão. Visão totalitária merece a excomunhão maior. Saudosistas inoportunos. As instituições estão funcionando”, disse Marco Aurélio Mello, ministro do STF.

“É assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia. Defender a Constituição e as instituições democráticas faz parte do meu papel e do meu dever”, disse Luís Roberto Barroso, também ministro do Supremo. “Só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve.”

 
“Lamentável que o presidente da República apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5. Repudio também os ataques ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal. O Brasil precisa vencer a pandemia e deve preservar sua democracia”, disse o governador de São Paulo, João Dória Júnior (PSDB).

“Em vez de o presidente incitar a população contra os governadores e comandar uma grande rede de fake news para tentar assassinar nossas reputações, deveria cuidar da saúde dos brasileiros. Seguimos na missão de enfrentamento da covid-19”, escreveu o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).

“Democracia não é o que o presidente Bolsonaro pratica: mandar o povo brasileiro para as ruas, correndo riscos de se contaminar, de tornar o nosso Brasil um país doente, em meio a uma grave crise de saúde mundial”, seguiu Witzel. “Democracia é ter responsabilidade com o que se fala. Democracia é respeitar o Congresso, as instituições e ter uma postura condizente com o cargo que se ocupa.”

A deputada federal Joice Hasselmann, líder do PSL (ex-partido de Bolsonaro) na Câmara, também repudiou a atitude do presidente. “Depois diz que o Congresso é que provoca o caos. @jairbolsonaro não respeita a democracia, as instituições e as liberdades. Você é a favor da democracia ou do AI-5?”, escreveu no Twitter.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou a participação de Bolsonaro no ato de “lamentável”. “É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia. Ideal que deve unir civis e militares; ricos e pobres. Juntos pela liberdade e pelo Brasil”, disse.

“A sorte da democracia brasileira está lançada”

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, afirmou: “a sorte da democracia brasileira está lançada, hora dos democratas se unirem, superando dificuldades e divergências, em nome do bem maior chamado LIBERDADE”.

Não é a primeira vez que Bolsonaro recebe críticas por supostamente incitar movimentos antidemocráticos. Em fevereiro, o presidente da República foi criticado por líderes políticos de várias correntes por ter compartilhado com seus aliados vídeos que convocavam para manifestações a favor de seu governo e contra o Congresso Nacional.

Após o ato do domingo, a organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) no Brasil emitiu declaração na qual classifica a participação de Bolsonaro na manifestação de “irresponsável e perigosa” e um “flagrante desrespeito às recomendações do seu próprio Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde”.

“Além disso, ao participar de ato com ostensivo apoio à ditadura, Bolsonaro celebra um regime que causou sofrimento indescritível a dezenas de milhares de brasileiros, e resultou em 4.841 representantes eleitos destituídos do cargo, aproximadamente 20 mil pessoas torturadas e pelo menos 434 pessoas mortas ou desaparecidas”, escreveu a HRW.

A Anistia Internacional também classificou como “grave” a presença do presidente na manifestação. “A Anistia Internacional repudia qualquer manifestação pública que tenha como objetivo pedir a volta do regime militar, pedir a volta do AI-5, pedir a volta de um regime político que trouxe para o Brasil tanto sofrimento, trouxe tortura, trouxe desaparecimentos.”