Ao autorizar abertura de inquérito, Celso de Mello centra decisão em atitudes nada republicanas de Bolsonaro

 
Diferentemente do que pretendia o procurador-geral da República, Augusto Aras, o inquérito que já gravita na órbita da demissão do ex-ministro Sérgio Moro (Justiça) não seguirá o roteiro que busca proteger o presidente da República.

O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ao autorizar a abertura de inquérito, não excluiu Moro do escopo das investigações, mas deixou claro sem eu despacho que as apurações devem estar centradas nas atitudes do presidente Jair Bolsonaro, acusado de interferir politicamente na Polícia Federal.

Em seu despacho, Celso de Mello enfatizou que o presidente da República está sujeito “às consequências jurídicas e políticas de seu próprio comportamento” e que ninguém tem legitimidade para “vilipendiar a Constituição”. Sendo assim, Bolsonaro deve aceitar a ideia de que sua situação no Supremo não é das melhores. Além disso, o ministro é considerado rígido em suas decisões e o referido inquérito deve ser o último de sua exitosa passagem pela Corte, já que o magistrado se aposentará compulsoriamente em novembro próximo.

Na decisão (17 páginas) em que autoriza a investigação das acusações feitas por Moro, o ministro Celso de Mello destaca: “A ideia ínsita ao princípio republicano traz consigo a noção inafastável de responsabilidade, inclusive a de responsabilidade criminal, pois —reitere-se— ninguém está acima da autoridade das leis e da Constituição da República, ainda mais se se considerar um dado institucionalmente relevante cuja razão de ser decorre, essencialmente, do modelo democrático, que faz instaurar e que consagra o império da lei (“rule of law”)”.

 
O ministro do STF ressaltou em sua decisão que a forma republicana de governar exige “um regime de responsabilidade a que se deve submeter, de modo pleno, dentre outras autoridades estatais, o próprio Chefe do Poder Executivo da União”.

Ao tratar da possibilidade de o presidente da República ser investigado, Celso de Mello enfatizou que a Constituição permite esse procedimento, assim como classificou como “inquestionável” a jurisprudência do Supremo sobre o tema.

“Nem a imunidade formal prevista no artigo 51, inciso I, da Constituição Federal, tampouco a cláusula de exclusão inscrita no artigo 86, § 4º, dessa mesma Carta Política, inibem a possibilidade de instaurar-se, na espécie, procedimento de investigação penal, para o fim de coligir elementos de prova, em ordem a apurar a materialidade de eventos supostamente delituosos cuja autoria possa vir a ser atribuída ao Senhor Presidente da República”, afirmou Celso de Mello.

Para o ministro-relator, no caso de a investigação culminar em apresentação de denúncia por parte da Procuradoria-Geral da República, a abertura de ação penal contra Bolsonaro dependerá de autorização do Congresso Nacional. Isso explica o movimento acelerado dos palacianos para cooptar o maior número possível de integrantes do chamado “Centrão”, que à sombra do escambo poderão blindar o presidente da República.