Sob os auspícios do presidente Jair Bolsonaro, a diplomacia brasileira vive um dos seus piores momentos, talvez o pior de todos. Dando sequência à política de enfrentamento, marca registrada de um governo incompetente e que flerta diuturnamente com o autoritarismo, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, impôs ao Brasil mais uma situação de constrangimento.
Em texto publicado em seu blog (Metapolítica 17), em 21 de abril, Araújo mencionou a expressão “arbeit macht frei” (o trabalho liberta, em português), que está escrita sobre o campo de concentração de Auschwitz, sugerindo que esse deveria ser o lema da nova era de solidariedade global.
“Os comunistas não repetirão o erro dos nazistas e desta vez farão o uso correto. Como? Talvez convencendo as pessoas de que é pelo seu próprio bem que elas estarão presas nesse campo de concentração, desprovidas de dignidade e liberdade”, escreveu o chanceler brasileiro, em mais um dos seus conhecidos desvarios.
No texto, Araújo questiona a legitimidade de organizações internacionais que auxiliam no combate à pandemia de Covid-19, critica o Partido Comunista Chinês e denuncia o que chama de “jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem recomendado de forma ininterrupta, desde o início da pandemia, que o distanciamento social é a melhor arma contra a pandemia do coronavírus, que já contaminou 3,1 milhões de pessoas ao redor do planeta e provocou mais de 218 mortes. De acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.
A Confederação Israelita do Brasil (Conib) condenou o comentário de Ernesto Araújo, que compara o isolamento social a campos de concentração nazistas. A entidade afirmou ser impossível comparar uma medida de combate à pandemia a uma ação persecutória e racista contra uma minoria que levou à morte seis milhões de judeus na Europa. “Esperamos uma retratação”, destaca a CIB.
Na terça-feira (28), o Comitê Judeu Americano, uma das principais associações de defesa dos direitos dos judeus nos Estados Unidos e de luta contra o antissemitismo, publicou mensagem afirmando que considerou a analogia “profundamente ofensiva e inteiramente inapropriada”. Assim como a CIB, o Comitê afirmou que o ministro das Relações Exteriores do Brasil deve desculpas à comunidade judaica.
Useiro e vezeiro
Não é a primeira vez que a comunidade judaica é afrontada por integrantes do atual governo. Em 2 abril de 2019, em visita oficial a Israel, o presidente Jair Bolsonaro conheceu o centro de memória do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém, que ensina ter sido o nazismo um movimento de extrema-direita. Araújo, que acompanhou o presidente na viagem a Israel, defende a tese, divulgada nas redes sociais, de que o nazismo foi um movimento esquerdista.
Dias depois, já de volta ao Brasil, Bolsonaro participou de encontro com pastores evangélicos no Rio de Janeiro, ocasião em que desrespeitou a comunidade judaica. Disse o presidente: “Fui, mais uma vez, ao Museu do Holocausto. Nós podemos perdoar, mas não podemos esquecer. E é minha essa frase: Quem esquece seu passado está condenado a não ter futuro. Se não queremos repetir a história que não foi boa, vamos evitar com ações e atos para que ela não se repita daquela forma”.
A direção do centro de memória do Holocausto divulgou nota rebatendo Bolsonaro. “Desde a sua criação, o Yad Vashem tem trabalhado para manter a lembrança do Holocausto viva e relevante para o povo judeu e a toda humanidade. Não concordamos com a fala do presidente brasileiro de que o Holocausto pode ser perdoado. Não é direito de nenhuma pessoa determinar se crimes hediondos do Holocausto podem ser perdoados”, destacou a nota.
À época, o presidente de Israel, Reuven Rivlin, divulgou duas mensagens com tom semelhante, mas sem citar o nome de Bolsonaro. “Sempre vamos nos opor àqueles que negam a verdade ou aos que desejam expurgar nossa memória — indivíduos ou grupos, líderes de partidos ou premiês. Nós nunca vamos perdoar nem esquecer”, escreveu Rivlin no Twitter.
“O povo judeu sempre vai lutar contra o antissemitismo e a xenofobia. Líderes políticos são responsáveis por moldar o futuro. Historiadores descrevem o passado e investigam o que aconteceu. Nenhuma das partes deveria entrar em território da outra”, completou o presidente israelense.