Como todo totalitarista que se preze, Jair Bolsonaro não aceita ser contrariado, por isso adota a política do confronto para tentar intimidar aqueles que lhe fazem contraponto e frustram suas ambições despóticas. Ainda se digerir a decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem na direção-geral da Polícia Federal, o presidente da República insiste em criar dificuldades em um ambiente político que vem sendo devorado por crises desnecessárias.
Nesta quinta-feira (30), Bolsonaro disse que a decisão do ministro do STF foi “política” e “quase criou uma crise institucional” entre o Palácio do Planalto e o Supremo. O presidente afirmou que vê na decisão de Alexandre de Moraes possibilidade de descumpri-la.
“Essa decisão do senhor Alexandre de Moraes ontem, tá certo, no meu entender falta um complemento para mostrar que não é uma coisa voltada pessoalmente para o senhor Jair Bolsonaro. Falta ele decidir se o Ramagem pode ou não continuar na Abin (Agência Brasileira de Inteligência). É isso que eu espero dele”, disse Bolsonaro à porta do Palácio da Alvorada, momentos antes de seguir viagem para Porto Alegre, onde participará de solenidade do Exército.
“Se ele (Alexandre de Moraes) não se posicionar, ele está abrindo a guarda para eu nomear o Ramagem independente da liminar dele. É isso que nós não queremos. Queremos o respeito de dupla mão entre os Poderes”, afirmou o presidente.
Com essas atitudes impensadas e marcadas pelo descontrole, Bolsonaro apenas reforça as graves acusações feitas pelo então ministro Sérgio Moro ao deixar o comando da pasta da Justiça. O ex-juiz da Lava-Jato disse que o presidente tentou em várias ocasiões interferir politicamente na PF.
A ignorância jurídica de Jair Bolsonaro é tamanha, que chega a assustar. Como já antecipou o UCHO.INFO, não há como recorrer em ação judicial que perdeu o objeto. No momento em que o próprio presidente baixou decreto anulando a nomeação de Ramagem, o mandado de segurança impetrado pelo PDT perdeu o objeto e, por consequência, um eventual recurso será eivado pela nulidade.
O fato de a decisão que barrou a posse de Alexandre Ramagem ter sido monocrática não a invalida, ou seja, deve ser cumprida nos termos da lei. Além disso, o ministro Alexandre de Moraes tem, ao que tudo indica, o apoio de outros ministros da Corte, que comungam do mesmo entendimento em relação ao desvio de finalidade que marcou a nomeação de Ramagem.
O presidente da República precisa ser avisado por algum assessor sobre a diferença abissal que existe entre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Polícia Federal. A Abin é um órgão de inteligência do governo, portanto deve repassar informações ao Executivo, ao passo que a PF é uma polícia judiciária a serviço do Estado brasileiro. Em outras palavras, a PF não pode sofrer qualquer tipo de interferência política, sob pena de comprometer as investigações que conduz.
No caso de, ao arrepio da decisão do ministro Alexandre de Moraes, o presidente insistir na nomeação de Ramagem, estará violando a Constituição federal e incorrendo em crime de responsabilidade, o que abre caminho para mais um pedido de impeachment – já são trinta –, como estabelece a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.
Tudo indica que Bolsonaro, ciente de que a crise provocada pelo novo coronavírus transformou seu governo em uma panaceia sem fim, está tentando abreviar o mandato para sair de cena na condição de vítima. O melhor que o presidente da República poderia fazer, já que tanto fala em patriotismo, seria imbuir-se de coragem e renunciar ao cargo.