Bolsonaro já se deixou fotografar ao lado de nazista, mas quer investigar Noblat e Aroeira por charge

 
O governo de Jair Bolsonaro recorreu à Lei de Segurança Nacional (LSN) no pedido de investigação contra o jornalista Ricardo Noblat, colunista da revista Veja, por ter publicado em rede social charge do cartunista Aroeira em que o presidente aparece junto com uma suástica, símbolo do nazismo.

Promulgada na ditadura militar, a LSN foi usada no passado para perseguir políticos e incriminar ocupações de sem-terra. Apesar do ranço que carrega da era plúmbea, a referida Lei tem servido de base para investigações que apuram ataques à democracia e aos Poderes constituídos.

O pedido de investigação foi apresentado à Polícia Federal (PF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo ministro da Justiça, André Mendonça, que ao continuar exercendo o papel de advogado-geral da União mostra sua subserviência ao presidente da República, a quem chamou de “profeta” durante cerimônia no Palácio do Planalto.

 
“Solicitei à Polícia Federal e à PGR (Procuradoria-Geral da República) abertura de inquérito para investigar publicação reproduzida no Twitter Blog do Noblat, com alusão da suástica nazista ao presidente Jair Bolsonaro. O pedido de investigação leva em conta a lei que trata dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, em especial seu art. 26”, escreveu Mendonça em rede social, mensagem imediatamente compartilhada por Bolsonaro.

O artigo 26 da LSN define que “caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação” é crime punido com até quatro anos de reclusão.

A Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) acusou o jornalista de estar cometendo crime de falsa imputação.

“Falsa imputação de crime é crime. O senhor Ricardo Noblat e o chargista estão imputando ao presidente da República o gravíssimo crime de nazismo; a não ser que provem sua acusação, o que é impossível, incorrem em falsa imputação de crime e responderão por esse crime”, destaca mensagem da Secom em rede social.

Bolsonaro, na condição de cidadão, tem o direito de ingressar na Justiça contra o jornalista e o chargista, apesar de a liberdade de expressão ser uma garantia constitucional. Contudo, usar a máquina estatal para tentar calar a imprensa e ameaçar críticos com ações judiciais configura autoritarismo.

Insinuar com doses de humor crítico que o presidente da República tem comportamento similar ao do líder nazista não significa imputar-lhe os bárbaros crimes cometidos por Adolf Hitler, mas não se pode negar que as atitudes e decisões de Bolsonaro remetem ao responsável pelo período mais nefasto, macabro e deplorável da história da humanidade. Por não aceitar o contraditório, querer impor suas vontades e acreditar que o cidadão pertence ao Estado, Bolsonaro é constantemente relacionado ao nazismo.

Ademais, causa espécie o fato de Bolsonaro manter-se calado quando seus apoiadores associam o governador de São Paulo, João Dória Júnior (PSDB), ao genocida Adolf Hitler.

Usar a LSN para reagir à livre manifestação do pensamento é banalizar a lei em questão, ao mesmo tempo em que mostra de maneira inequívoca o pensamento totalitarista de Jair Messias Bolsonaro.

 
Meu passado me condena

O eventual processo certamente dará em nada, especialmente porque a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro decidiu, em fevereiro de 2019, no âmbito de apelação do atual presidente contra o jornal “O Dia”, que uma charge do próprio Aroeira tinha “cunho satírico potencializado”. A desembargadora Cristina Tereza Gaulia, do TJ fluminense, e relatora do processo também levou em conta o fato de que, em 2018, Bolsonaro sequer ficou constrangido ao se deixar fotografar ao lado de um homem caracterizado como Adolf Hitler.

A relatora entendeu que a charge de Aroeira não tinha o intuito de ofender a honra do presidente. Gaulia considerou que eventual dano moral existiria se o conteúdo da charge fosse claramente difamatório, quando na realidade o objetivo da ilustração foi fazer crítica com humor. Em sua decisão, a desembargadora ressaltou que o presidente da República jamais tentou impedir a circulação da foto que tirou com o sósia de Hitler e, portanto, não se incomoda com a associação.

 
No contraponto, a Justiça fica em silêncio quando Bolsonaro reage aos opositores exaltando a memória do “torturador-geral da República”, o facinoroso Carlos Alberto Brilhante Ustra. Além disso, o presidente não condena os ataques da milícia comandada por Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, pseudônimo que remete à espiã nazista Sarah Winter née Domville-Taylor, integrante da “União Britânica dos Fascistas” e amiga íntima de Hitler.

Em 6 de abril de 2011, o então deputado federal Jair Bolsonaro, à época filiado ao PP, subiu à tribuna da Câmara para falar sobre um cartaz em que ele foi retratado como o líder nazista. “Ficaria bravo se tivesse brinquinho, batom na boca e eles usassem isso em uma passeata gay”, disse o homofóbico Bolsonaro, que empunhou o cartaz enquanto circulava pelo plenário e o Salão Verde da Câmara dos Deputados.

 
Nota da ABI

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) divulgou nota para informar que Ricardo Noblat e Aroeira têm a defesa da instituição. Na nota, o presidente da ABI, Paulo Jeronimo, afirma que “a aversão à crítica é própria das ditaduras e dos candidatos a ditador”.

Confira abaixo a íntegra da nota divulgada pela ABI:

“Rio de Janeiro, 15 de junho de 2020.

Aroeira e Noblat têm a defesa da ABI

[Sobre a tortura]: “Eu defendo a tortura; vocês sabem disso. O erro foi torturar e não matar. Se tivessem matado mais gente teria sido melhor.”

[Sobre o país]: “Só vai mudar com guerra civil, matando uns 30 mil.”

[Sobre honestidade]: “Eu sonego imposto. Sonego o que for possível.”

[Sobre a Amazônia]: “A Amazônia não é do Brasil. Devemos entregá-la aos Estados Unidos porque não sabemos explorá-la.”

As frases acima são uma pequena amostra das barbaridades ditas por Jair Bolsonaro ao longo de sua carreira. Elas dão bem uma ideia do que é o presidente.

Por isso, é estarrecedor que o ministro da Justiça, André Luiz Mendonça, anuncie a abertura de um inquérito policial contra o chargista Aroeira e o colunista Ricardo Noblat, devido a uma ilustração criada pelo primeiro e reproduzida pelo segundo, associando Bolsonaro ao nazismo.

A aversão à crítica é própria das ditaduras e dos candidatos a ditador.

No entanto, as ameaças não calarão os defensores da liberdade de imprensa e da democracia.

Aroeira e Noblat têm, neste momento, a defesa incondicional da ABI.

Paulo Jeronimo

Presidente da ABI”