Vacina: vai funcionar contra raiva?

(*) Marli Gonçalves

Mais do que uma vacina contra o coronavírus precisaremos insistentemente apelar aos cientistas e pesquisadores de todo o mundo para que, por favor, também desenvolvam vacinas, fórmulas, indicação de ervas ou remédios eficazes contra a loucura humana nesse período alucinante que vivemos. E pra que não tenhamos raiva do que aconteceu, acontece e terá repercussão durante ainda longo tempo. Não está fácil, especialmente por aqui, acompanhar o andar dessa carruagem desgovernada.

Todos os dias tentamos acompanhar e entender gráficos, tabelas, cálculos, dados móveis e imóveis, flechinhas coloridas apresentadas sobre as tais últimas 24 horas. Um leve ar alegre dos apresentadores tentando passar algum otimismo informa, enfim, termos alcançado um platô, o cume. Mas quando vamos ver com atenção é apavorante, o cume do terror – como tão bem definiu claramente um especialista, essas curvas e tendências nos mostram nada mais do que uma “assinatura do fracasso”. Lá em cima. Mais de mil mortes dias seguidos, outros milhares de contaminados dia após dia. Isso contando só números oficiais, que todo sabem bastante defasados.

Os dados mostram números ora estacionando, ora dando pequenas marcha-a-ré, ou engates de primeira, como se fosse algum teste de direção para tirar habilitação. Como não diria, ou diria, Michel Temer, “não tem de manter isso aí”. O tal platô está lá no alto, não tem o que comemorar, relaxar. Mas não é o que o parece ser entendido como informação para a população deste nosso país atrasado, com tal ignorância de consciência social e de coletivo, além da sua enorme população tão carente de recursos que exigir compreensão, “protocolos” e mais sacrifícios chega a ser surreal e malvado.

E daí? E daí que é como se alguém embaralhasse de tal forma as informações, que ninguém sabe direito ou tem segurança é de mais nada. Vêm sendo liberadas atividades aqui e ali, as pessoas já estão tomando as ruas, o trânsito, os problemas do velho normal agora somam-se aos do tal novo normal. Tudo parece meio chutado. Uma coisa pode abrir cinco horas, outras oito. outras só de dia; ambulantes podem, e já invadem com suas máscaras penduradas no queixo as calçadas das grandes cidades. Tanto pode e não pode como se houvesse alguma fiscalização real sobre o cumprimento dos tais protocolos. Tenho vontade de rir quando ouço falar em multas, punições de estabelecimentos; coitados dos quatro ou cinco escolhidos como flagrados, para dizerem que estão agindo. A real é que a Casa da Mãe Joana está com as portas abertas, escancaradas. E a economia, pálida, sem energia.

Enquanto isso, dá para acreditar? Não sei se temiam a reação ou alguma revolução popular nacional se não acenassem logo com nova data, transferiram o Carnaval de 2021, que cairia de 12 a 16 de fevereiro, e remarcaram para maio do ano que vem. Ou junho, ou julho, ou agosto, sabe-se lá. Então, combinado: em maio do ano que vem, junto com noivas e mães, arlequins, pierrôs, colombinas, unicórnios, e um pouco mais de dias, que se junte logo às festas juninas, com seus alegres caipiras e quadrilhas. Só não fizeram o papel ridículo total porque ainda, pelo menos ainda, apenas cancelaram as festas da passagem do ano, não tentaram mudá-las de data. Mas não duvidem. Agora não duvido é de mais nada. Depois de transferirem, deslocarem, o Carnaval, tudo pode acontecer.

Datas, todas, inclusive, que dependerão sempre, exclusivamente, da existência de uma vacina. Vacina que a ignorância da negação já ataca, de antemão, com os mais estapafúrdios argumentos.

Enquanto isso um presidente infectado com o vírus passa as tardes pensando como vai aparecer para nos aborrecer um pouco mais, tinhoso que é. Corre atrás de uma ema em seu jardim encantado. Empunha nas mãos uma caixa de cloroquina, da qual aliás não se desgruda mais, e um dia saberemos a verdade atrás dessa história – como um maluco, esperando tomar mais alguma bicada, ser confundido com um prego. Sem ter ao que parece nada o que fazer – nesse desesperador momento – vai passear de moto, parando para conversar bem de perto e sem máscara com os serviçais de seu palácio. Vive em outro mundo, assim como alguns de seus ministros irreais. O da Saúde, general interino, disse, repito, disse, falou, eu ouvi, você também deve ter ouvido, que assintomáticos não transmitem os vírus para outros, fora ignorar todos os alertas que recebeu e tudo que a Ciência propõe. E ainda tem o ministro Imposto Ipiranga querendo mais…impostos! E queimadas, e o mundo perplexo, e o tempo passando.

Não bastasse já estarmos precisando conviver com a gente mesmo de uma forma que jamais imaginávamos, e que é tão difícil, não temos um dia de paz, nem um dia que não nos envergonhemos de alguma fala, ato, decisão, ou que não tenhamos de fazer de conta que tudo isso vai passar logo. Não tem nem um dia em que não passamos pelo sentimento que tanto mal pode fazer, principalmente por nos sentirmos imobilizados e impotentes: raiva. Ainda não estamos babando, mas falta pouco.

Precisamos poupar energia para pedir uma vacina também contra isso, contra eles. E essa fórmula não parece que será dada nas próximas eleições, que essas – interessante – ninguém teve coragem de cancelar.

(*) Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de “Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também”, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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