Das “rachadinhas” à multiplicação das cédulas, clã Bolsonaro estaria alijado da política se o Brasil fosse sério

 
“Quem sai o seus não degenera”, diz o longevo adágio popular. Esse mantra que correu de boca em boca ao longo dos séculos cai como fina luva sobre a realidade da família Bolsonaro, que se especializou no milagre da multiplicação das cédulas.

Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República pegando carona no discurso farsesco de combate à corrupção. O mesmo aconteceu com seu filho Flávio, que circula pelos corredores do Senado como se fosse uma ode à moralidade. Sem contar os funcionários-fantasmas que ziguezaguearam nos gabinetes legislativos do clã, com direito a devolver parte dos salários.

Considerado como carranca do esquema criminoso das “rachadinhas” que teve lugar no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Fabrício Queiroz depositou R$ 72 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, por meio de 21 cheques. Casada com Queiroz, Márcia Aguiar, que até recentemente estava foragida da Justiça, depositou outros R$ 17 mil na conta bancária da primeira-dama.

Quando um relatório do Coaf apontou que Fabrício Queiroz, à sombra de movimentação bancária suspeita, havia depositado R$ 24 mil na conta de Michelle, o presidente da República se apressou em afirmar que o montante era pagamento de parte de um empréstimo (R$ 40 mil) feito ao ex-assessor parlamentar e amigo de longa data da família. Contudo, Jair Bolsonaro não provou o tal empréstimo nem a origem do dinheiro usado para tal. Com a descoberta de que o casal Queiroz depositou muito mais na conta da primeira-dama, Bolsonaro simplesmente calou-se.

Investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) concluíram que Queiroz pagou em dinheiro vivo, na boca do caixa, contas pessoais de Flávio Bolsonaro, como, por exemplo, mensalidades da escola das filhas do parlamentar e parcelas de plano de saúde – ao todo foram mais de 100 boletos. Inicialmente, Flávio negou, mas em depoimento acabou admitindo essa manobra que levanta suspeitas.

Queiroz também depositou, em agosto de 2011, R$ 25 mil na conta de Fernanda Bolsonaro, esposa de Flávio. O senador disse que desconhece o tal depósito, enquanto o ex-assessor afirma não se recordar do fato cuja prova está no inquérito das “rachadinhas”.

Primeira esposa de Jair Bolsonaro e mãe de Flávio, Carlos e Eduardo – todos parlamentares –. Rogéria Nantes Nunes Braga comprou em 1996 um apartamento no bairro carioca de Vila Isabel. Pelo imóvel, a mãe dos três filhos parlamentares do presidente da República pagou, à época, R$ 95 mil em dinheiro vivo, valor que reajustado pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) equivale a R$ 621.500,00. Na ocasião, Rogéria e Jair Bolsonaro eram casados em regime de comunhão parcial de bens. A separação do casal aconteceu entre 1997 e 1998.

 
No 21º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, a escritura pública referente à transação imobiliária destaca que que a venda aconteceu “pelo preço certo e ajustado de R$ 95 mil integralmente recebido neste ato (…) através de moeda corrente devidamente conferida e, digo, corrente contada e achada certa e examinada pelos outorgantes”.

Segunda esposa de Bolsonaro e mãe de Jair Renan, o quarto filho do presidente, Ana Cristina Siqueira Valle também parece dominar o milagre da multiplicação das cédulas. Do final de 1997, quando iniciou relacionamento com o então deputado federal Jair Bolsonaro, até 2008, quando aconteceu a polêmica e barulhenta separação, Ana Cristina comprou, com o então companheiro, 14 imóveis (apartamentos, casas e terrenos). No momento da separação, o patrimônio imobiliário do casal foi avaliado em aproximadamente R$ 3 milhões, valor que hoje equivale a R$ 5,3 milhões.

Nas escrituras dos mencionados imóveis, lavradas há pelo menos 20 anos, constam informações no mínimo suspeitas. Ao comprar cinco dos citados 14 imóveis, Ana Cristina pagou “em moeda corrente”. Com dinheiro vivo foram adquiridos dois terrenos, um apartamento e duas casas, comprados separadamente entre 2000 e 2006, cujas transações somaram R$ 243.300,00, em valores da época. Atualmente, o montante pago em dinheiro vivo representa R$ 680 mil, considerada a inflação (IPCA) do período.

Segundo consta, os três primeiros filhos de Bolsonaro não têm boa relação com Jair Renan, a quem se referem com certo desdém, mas a mãe do rapaz, também conhecido como o Don Juan da Barra da Tijuca, foi útil para o segmento parlamentar da família. Ana Cristina é investigada pelo MP-RJ em razão de sua nomeação como chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Além disso, Ana Cristina conseguiu emplacar ao menos sete parentes no gabinete parlamentar de Carlos.

Dois desses servidores – Marta Valle e Gilmar Marques, ex-cunhados de Ana – admitiram que jamais trabalharam para o vereador, apesar da nomeação. Além disso, ambos viviam em Minas Gerais enquanto deveriam dar expediente no gabinete de Carlos Bolsonaro, no centro da capital fluminense.

O Ministério Público suspeita que pelo menos outros três dos parentes de Ana Cristina jamais aparecido no gabinete. São eles: o advogado Guilherme Henrique de Siqueira Hudson, primo de Ana e que ficou lotado entre abril de 2008 e janeiro de 2018 como assessor-chefe de Carlos, mas jamais teve crachá da Câmara Municipal e desde 2012 possui residência fixa em Resende; Ananda Hudsonn, esposa de Guilherme e que foi nomeada entre 2009 e 2010, época em que cursava Letras em Resende; e Monique Hudson, cunhada de Guilherme e também estudante em Resende.

Tomando como referência a aversão que a família Bolsonaro nutre pelo sistema bancário nacional, o clã presidencial e seus satélites familiares movimentaram pelo menos R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo, entre recebimentos e pagamentos. Além disso, faz-se necessário ressaltar que o finado miliciano Adriano da Nóbrega, que empregou a mãe e a ex-mulher no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, abasteceu as contas bancárias de Fabricio Queiroz, que de igual maneira acomodou as filhas e a mulher nos gabinetes da família do presidente. Em suma, sem pedir licença ao cineasta Brian de Palma, o clã Bolsonaro acredita ser a versão tropical de “Os Intocáveis”.

Em qualquer país minimamente sério e com autoridades respeitadoras da lei e imbuídas de seus deveres, Jair Bolsonaro e seus quejandos já estariam respondendo a processo na Justiça. Como o Brasil transformou-se ao longo dos anos no “paraíso do faz de conta”, Bolsonaro é tratado como um misto de herói e salvador da pátria. Enfim…


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