Bolsonaro rasga discursos passados e autoriza Paulo Guedes a avançar no projeto da “nova CPMF”

 
Logo após vencer a corrida presidencial de 2018, o então presidente eleito Jair Bolsonaro surgiu em cena “carregando a tiracolo” o economista Paulo Guedes, imediatamente batizado como “Posto Ipiranga”. À época, a alcunha dada por Bolsonaro ao seu futuro ministro sugeria que Guedes, conhecido defensor do liberalismo econômico, era a solução para todos os problemas do País na área da economia.

Quase 21 meses depois da estreia de Bolsonaro no Palácio do Planalto, a economia nacional continua cambaleando, sem que o horizonte da crise consiga apresentar lampejos de um cenário menos desanimador. Integrantes do governo podem alegar que a pandemia do novo coronavírus comprometeu a economia, como de fato, mas antes do advento da Covid-19 o cenário econômico não era dos melhores, pelo contrário.

Recentemente, o presidente da República vetou a prorrogação por um ano da desoneração da folha de pagamento, medida que beneficia ao menos 17 setores da economia, mas membros da equipe econômica e líderes dos partidos da base aliada no Congresso reconhecem a necessidade de derrubada do veto, como forma de não comprometer a geração de empregos.

Após dois meses de negociação com deputados e senadores, o governo Bolsonaro não conseguiu convencer os parlamentares sobre importância do veto presidencial. Diante do fracasso, o que significa prorrogar a desoneração da folha de pagamento, o ministro da Economia sinaliza com a criação de “tributos alternativos” para compensar a perda na arrecadação.

“Queremos desonerar, queremos ajudar a buscar emprego, facilitar a criação de empregos, então vamos fazer um programa de substituição tributária”, disse Guedes. Na verdade, o governo é contra a derrubada do veto, mas diante do inevitável modula o discurso para minimizar a derrota política.

“Temos que desonerar folha, por isso a gente precisa de tributos alternativos, para desonerar folha e ajudar a criar empregos e renda a mesma coisa. Vimos a importância do auxílio emergencial, como isso ajudou a manter o Brasil respirando e atravessando essa onda da crise. Temos que também fazer uma aterrisagem suave do programa de auxílio emergencial”, disse Paulo Guedes nesta quarta-feira (23).

O termo “tributos alternativos” foi adotado pelo governo para referir-se à criação de um imposto nos moldes da famigerada CPMF, ou seja, a equipe econômica mais uma vez colocará uma armadilha no caminho dos cidadãos, em especial no trilhado pelos mais pobres.

Para descaracterizar a “nova CPMF”, cuja proposta é incidir sobre todos os meios de pagamento, o governo adotou o discurso de que o tributo permitirá uma desoneração da folha de pagamento mais ampla e também servirá para financiar o programa de distribuição de renda que substituirá o Bolsa Família, que até algumas semanas atrás cederia lugar para o Renda Brasil, “sepultado” depois de desentendimentos entre Bolsonaro e a equipe econômica.

 
Na verdade, o governo deseja penalizar o trabalhador com um novo imposto, sem que exista qualquer movimento palaciano na direção de uma reforma administrativa mais abrangente, alcançando os atuais servidores, que certamente ajudaria no equilíbrio fiscal. Deixar o sacrifício apenas no colo do trabalhador da iniciativa privada é um escárnio com a chancela do Palácio do Planalto.

O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do planeta, talvez a maior, girando na casa de 33% do Produto Interno Bruto (PIB), sem que o contribuinte tenha a devida contrapartida. A criação de um novo imposto representa despareço e desrespeito ao trabalhador, além de provar que Bolsonaro não honra as próprias palavras.

Em maio de 2019, quando o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, propôs a criação de um novo imposto, nos moldes da CPMF, para compensar as perdas decorrentes da desoneração da folha de pagamento, Bolsonaro descartou tal possibilidade.

“Da minha parte, está descartada qualquer possibilidade de novo imposto ou majorar qualquer imposto, isso não existe”, disse o presidente. “O Cintra, com todo respeito, é um secretário. Acima dele, está o Paulo Guedes, depois estou eu. A gente não admite falar em volta da CPMF, você pode até inventar um novo nome para agregar um montão de imposto, mas que não represente no final da linha tirar dinheiro da mão do povo”, completou.

“Voto do idiota comprado com o Bolsa Família”

Na verdade, inebriado pelo poder, Bolsonaro mudou o discurso para tentar transferir ao contribuinte a responsabilidade de, mesmo que indiretamente, financiar seu projeto de reeleição, já que um benefício social com maior abrangência impulsionará os índices de aprovação do presidente, a exemplo do que aconteceu com o auxílio emergencial. E se a “nova CPMF” servirá também para custear o programa de distribuição de renda, quem for obrigado a pagar o tal tributo estará financiando a campanha de Bolsonaro à reeleição.

Em agosto de 2010, é importante lembrar, o então deputado federal Jair Bolsonaro criticou de forma dura o programa Bolsa Família durante discurso no plenário da Câmara: “Se, hoje em dia, eu der R$ 10 para alguém e for acusado de que esses R$ 10 seriam para a compra de voto, eu serei cassado. Agora, o governo federal dá para 12 milhões de famílias em torno de R$ 500 por mês, a título de Bolsa Família definitivo, e sai na frente com 30 milhões de votos”. Na sequência, o outrora parlamentar completou: “Disputar eleições num cenário desses é desanimador, é compra de votos mesmo”.

Em 2011, Bolsonaro voltou à carga contra o programa. “O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder. E nós devemos colocar, se não um ponto final, uma transição a projetos como o Bolsa Família”, declarou na tribuna da Câmara dos Deputados. No mesmo ano, em palestra na Universidade Federal Fluminense, o outrora parlamentar disparou: “O voto do idiota é comprado com o Bolsa Família”.

Em 2012, Jair Bolsonaro não poupou o programa de críticas, durante entrevista a uma emissora de televisão: “O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa. Porque se for trabalhar, perde o Bolsa Família”.

Em 2017, reforçando sua ojeriza ao Bolsa Família, Bolsonaro, durante evento na cidade de Barretos, no interior paulista, declarou, já de olho na candidatura à Presidência: “Para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família, então vote em outro candidato. Não vou partir para a demagogia e agradar quem quer que seja para buscar voto”.

Se você chegou até aqui é porque tem interesse em jornalismo profissional, responsável e independente. Assim é o jornalismo do UCHO.INFO, que nos últimos 20 anos teve participação importante em momentos decisivos do País. Não temos preferência política ou partidária, apenas um compromisso inviolável com a ética e a verdade dos fatos. Nossas análises políticas, que compõem as matérias jornalísticas, são balizadas e certeiras. Isso é fruto da experiência de décadas do nosso editor em jornalismo político e investigativo. Além disso, nosso time de articulistas é de primeiríssima qualidade. Para seguir adiante e continuar defendendo a democracia, os direitos do cidadão e ajudando o Brasil a mudar, o UCHO.INFO precisa da sua contribuição mensal. Desse modo conseguiremos manter a independência e melhorar cada vez mais a qualidade de um jornalismo que conquistou a confiança e o respeito de muitos. Clique e contribua agora através do PayPal. É rápido e seguro! Nós, do UCHO.INFO, agradecemos por seu apoio.