“E$quema S”: denúncia contra Wassef e advogados por peculato é mais um devaneio jurídico da Lava-Jato

 
O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro denunciou o advogado Frederick Wassef e outras quatro pessoas por peculato e lavagem de dinheiro, no âmbito das investigações sobre suposto desvio de recursos da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ).

Wassef, que já representou o presidente Jair Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi denunciado juntamente com Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio-RJ, o empresário Marcelo Cazzo e as advogadas Márcia Carina Castelo Branco Zampiron e Luiza Nagib Eluf.

Desdobramento da “Operação E$quema S”, a denúncia envolvendo Wassef é a segunda apresentada no âmbito da investigação que apura suposto esquema de tráfico de influência envolvendo grandes escritórios de advocacia e eventual desvio de recursos da entidade. A aceitação da denúncia depende de decisão do juiz federal Marcelo Bretas, responsável no Rio de Janeiro pelas ações penais decorrentes da Lava-Jato.

Anteriormente, foram denunciados os advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira, que defendem o ex-presidente Lula (que não é alvo da investigação) e Eduardo Martins, filho do atual presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins.

Segundo a denúncia, Wassef recebeu R$ 4,5 milhões por meio do escritório de Luiza Eluf e teria sido contratado por sua reconhecida habilidade para lidar com escrivães de polícia.

Há nessa operação um amontoado de ilegalidades, a começar pela competência do juiz Marcelo Bretas para o caso. Isso porque jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) – Súmula 516 – estabelece que questões judiciais envolvendo o chamado “Sistema S” estão sujeitas à jurisdição da Justiça Estadual. Em suma, é, de chofre, caso de arguição de nulidade.

Em decisão proferida em setembro de 2016, o ministro Luiz Edson Fachin, do STF, destacou que “a jurisprudência do Supremo é firme no sentido de que é competência da Justiça estadual o processamento e julgamento de causa em que umas das partes seja entidade paraestatal pertencente ao chamado sistema “S” (Súmula 516)”. Outros ministros do Supremo também decidiram com base na referida Súmula, como, por exemplo, Sepúlveda Pertence (14/05/2004), Gilmar Mendes (28/09/2018) e Ricardo Lewandowski (18/12/2013).

Diante desse cenário, o caso que tem a Fecomércio-RJ na proa não cabe ao Ministério Público Federal nem à Justiça Federal. Contudo, como a Lava-Jato tornou-se um órgão paralelo e acima do MPF, o flagrante desrespeito à lei é permitido em nome de um escuso de projeto de poder, cuja primeira vítima é o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro.

A denúncia por peculato é uma excrescência jurídica, pois esse tipo de crime, como prevê o artigo 312 do Código Penal, exige a participação ou envolvimento de funcionário público, o que não é o caso.

“Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.”

Caso houvesse algum embasamento, mesmo que raso, para a denúncia de peculato, ao menos Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio-RJ, deveria ser denunciado por improbidade administrativa. Como Diniz não é servidor público, apenas presidiu uma entidade privada, a denúncia por improbidade administrativa não foi levada adiante.

As entidades do “Sistema S” são paraestatais, ou seja, são privadas, mas que por meio de serviços contribuem para o interesse do Estado. O que explica a presença desses órgãos no chamado “terceiro setor”, apesar de oficializados pelo Estado e por leis.

Em outro ponto desse “imbroglio”, a denúncia de peculato é inepta porque a Fecomércio-RJ é uma personalidade jurídica de direito privado, em que pese o fato de ser destinatária dos repasses de recursos de órgãos do “Sistema S”. Aliás, os recursos que alimentam os cofres do “Sistema S” não são originalmente públicos, mas privados, apesar de o governo federal recepcionar os valores das contribuições incidentes sobre a folha de pagamento das empresas pertencentes às categoria correspondente.

 
Os valores são descontados de forma regular e compulsória e repassados às entidades do “Sistema S”, após retenção de parte do montante arrecadado, com o objetivo de financiar atividades de treinamento e aperfeiçoamento profissional, além do incremento do bem-estar social dos trabalhadores.

No que tange à denúncia de os contratos com escritórios de advocacia eram falsos e os honorários advocatícios exorbitantes, à Justiça Federal e ao MPF não cabe o direito de decidir sobre o tema, já que não há uma prova sequer acerca da suposta falsidade na relação entre os advogados contratados e a Fecomércio-RJ.

Em relação aos valores dos honorários, inexiste no brasil uma lei que defina os valores de honorários profissionais e respectivos limites. Vale ressaltar que há um piso para a fixação dos valores dos honorários advocatícios, mas até o momento desconhece-se a existência de um teto.

O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil em seu artigo 36 define os parâmetros a serem seguidos no momento da valoração dos honorários.

“Art.36 – Os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, atendidos os elementos seguintes:
I – a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas;
II – o trabalho e o tempo necessários;
III – a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, ou de se desavir com outros clientes ou terceiros;
IV – o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para ele resultante do serviço profissional;
V – o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço a cliente avulso, habitual ou permanente;
VI –o lugar da prestação dos serviços, fora ou não do domicílio do advogado;
VII –a competência e o renome do profissional;
VIII –a praxe do foro sobre trabalhos análogos.”

Em outras palavras, cada profissional é livre para fixar os valores dos respectivos honorários, não cabendo ao Judiciário recorrer a ilações maldosas para embasar uma investigação que, como mencionado, está eivada de ilegalidades e arbitrariedades. E se o então presidente da Fecomércio-RJ utilizou indevidamente recursos da instituição para a contratação de advogados, que ele responda isoladamente pelo ilícito.

Sobre a alegação de que os escritórios de advocacia contratados pelo então presidente da Fecomércio-RJ incorreram em exploração de prestigio, a ilação é no mínimo absurda, já que é natural a contratação de um profissional do Direito que tenha profundo conhecimento e bom trânsito nas esferas do Judiciário, como forma de garantir uma boa defesa, o que não remete em momento algum à prática de tráfico de influência.

Prova maior da naturalidade que emoldura a contratação de um advogado prestigioso é o próprio juiz Marcelo Bretas, responsável pelo processo envolvendo a Fecomércio-RJ, que para atuar como seu defensor junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) contratou profissional (Mauro Gomes de Mattos) com prestígio junto aos desembargadores que, por ampla maioria (12 a 1), lhe impuseram pena de censura por “superexposição e autopromoção” do magistrado ao participar de dois eventos públicos da agenda do presidente Jair Bolsonaro.

Ora, se “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, como prega a Constituição Federal em seu artigo 5º (caput), não há como criar dois pesos e duas medidas apenas para atender ao devaneio persecutório dos integrantes da Lava-Jato.

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