A lei das leis, ora a lei das leis

(*) Carlos Brickmann

Uma frase é atribuída a Getúlio Vargas, ex-ditador, ex-presidente: “A lei, ora a lei!” Outra, bem mais antiga, cuja autoria não consegui identificar: “As leis foram feitas para ser quebradas”. Mas não se cometa contra o Supremo a injustiça de, por autorizar uma penca de reeleições para os comandos do Legislativo, acusá-lo de violar a lei. Nada disso: atingida foi a Lei das Leis, a Constituição, indo-se contra um texto absolutamente claro. Para que se tenha uma ideia, o general Hamilton Mourão, que entende tanto de Direito quanto o general Pazuello entende de Saúde, defende o STF, “por ter arbítrio para isso”. E o professor Ives Gandra Martins, um dos papas do Direito neste país, é contra (leia a opinião de Gandra em https://go.shr.lc/2IhrcdU). E não perca tempo lendo a opinião de Mourão: nem Bolsonaro seria tão raso.

Diz a Constituição, art. 57, § 4, que o mandato dos membros das mesas da Câmara e do Senado é de dois anos, “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Bem, Maia já está no terceiro mandato e David Alcolumbre quer a recondução. A votação do Supremo não acabou, pode ir até o dia 14, mas dos 11 ministros quatro toparam a reeleição de ambos e um autoriza só a reeleição de Alcolumbre. Não que trocar alguém seja bom, em si: um dos candidatos à sucessão de Maia é Arthur Lira, do PP alagoano, um dos chefões do Centrão, bloco político de fama controvertida.

Já o Supremo, no mínimo, declarou a Constituição inconstitucional.

O mundo…

O Reino Unido anunciou que, já nesta semana, iniciará a vacinação em massa – inicialmente com as vacinas produzidas pela americana Pfizer e a alemã BioNtech. A vacina produzida na Inglaterra pelo Imperial College de Oxford e os laboratórios AstraZeneca está quase pronta, mas até lá usarão a que está disponível. Outros países da União Europeia e Israel, todos com a vacina Pfizer/BioNtech, estão à beira do anúncio oficial.

…e o Brasil

Aqui há problemas, ainda. O principal é obter a aprovação da Anvisa ou de entidades internacionais. É preciso mandar à Anvisa todos os estudos e o balanço dos testes. A Coronavac é uma vacina tradicional, conservada em geladeira, de uso mais simples. Já há em São Paulo cerca de um milhão de doses. Mas, assim que for aprovada, teremos problemas bem brasileiros. Por exemplo, ninguém do Governo conversa com a indústria de seringas desde setembro. Será preciso ter agulhas e luvas de borracha e não há notícias de que algo tenha sido providenciado. Treinamento e infraestrutura não fazem parte do problema: nossa rede de vacinação é excelente. Falta o material.

Obedecendo!

O general Pazuello foi nomeado ministro da Saúde por ser especialista em Logística. OK – mas é isso que está faltando no Ministério, além de uma política nacional de vacinação. O general se notabilizou por mandar servir cloroquina aos atingidos pela Covid e por ter, depois de prometer aos governadores comprar 46 milhões de vacinas do Instituto Butantan, voltar atrás por ordem de Bolsonaro, que gostaria de evitar medicamentos chineses. Não conseguirá, pois sem incluir os chineses não haverá vacinas suficientes para imunizar uma parte substancial da população. E, enquanto o Governo hesita, ainda não fechou a compra de vacinas da Pfizer. A cada dia que passa a quantidade disponível de vacinas (um bilhão de doses no primeiro ano) se reduz. Israel já teve dificuldades para conseguir oito milhões. A Rússia foi ignorada até agora. Corremos o risco de não vacinar por falta de vacinas.

Crise anunciada 1

O Instituto Butantan estará produzindo Coronavac em janeiro; o Oswaldo Cruz promete, em janeiro, 30 milhões de doses da vacina inglesa de Oxford. Mas o Governo quer iniciar a vacinação só em março. Se o governador Doria, sem apoio federal, resolver agir sozinho, haverá crise. Seria triste ver a boa estrutura brasileira de vacinação fora de um programa de emergência.

Maluquices

Espantoso: os dois apresentadores de um programa de rádio de Porto Alegre (Timeline, Rádio Gaúcha, RBS) se desmancharam no dia 2 em elogios aos assaltantes que, com armas pesadas, atacaram a agência do Banco do Brasil em Criciúma, Santa Catarina, feriram gravemente um policial e aterrorizaram a população. Para eles, os bandidos tinham boa formação moral, respeitaram os cidadãos (alguns tiveram de ficar nus e servir como escudo para os assaltantes), enfim, era um pessoal de boa índole que, se fossem mesmo do PCC, como se suspeita, não deixariam de ser gente finíssima.

Deram um tiro no soldado, sim; mas isso é porque ele tentou impedir o assalto. Se não tentasse, não teria acontecido nada. Foi um escândalo tamanho que cinco patrocinadores do programa cortaram o patrocínio imediatamente. Advogados informam que, se quiser, o Ministério Público pode abrir processo por apologia ao crime, tal foi o entusiasmo.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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