(*) Carlos Brickmann
Até agora, mal começaram as investigações sobre a matança da favela de Jacarezinho, no Rio. Numa operação policial destinada a prender 21 pessoas, é pouco terem preso três, é muito terem morto 24 (o 25º é policial). Porém, indícios à parte, é cedo para apontar inocentes e culpados. Mas a situação é insustentável: um grande território do Rio (e isso se repete pelo país) está fora da lei, ocupado por narcotraficantes ou milicianos, se é que há diferença. Quem governa o território são os criminosos; mas o morador, o cidadão, é vítima e refém. A Polícia, que deveria protegê-lo, nem sempre é diferente do pessoal do crime. É mal paga, mal treinada, teme (com razão) os bandidos, não hesita em atirar. Ali todos são pobres, mal vestidos. Suspeitíssimos.
Vice-presidente Hamílton Mourão: “Tudo bandido”. Eduardo Bananinha Bolsonaro: “Tenho nojo de engravatado que defende traficante”. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, é mais lúcido, o que não é difícil, e vai direto ao ponto: a política de segurança é inexistente.
Para o povo das favelas, só existe Governo para prender e matar. Escolas, postos de saúde, saneamento básico, proteção contra o banditismo? Estão pensando que aqui é a Suíça? Os bandidos ao menos mandam os doentes para um hospital, assassinam quem abusa da violência contra civis. Pirateiam Internet e cobram caro, mas há alguma Internet. Pirateiam a eletricidade, cobram caro, mas há luz. Há botecos – nem isso o Governo deixaria fazer.
O x do problema
O povo da favela sofre com a guerra entre milicianos e outros bandidos pelo controle do território. Quando vem a Polícia, o risco de vida aumenta. Às vezes, há enormes operações, como aquela longuíssima comandada pelo general Braga Netto, hoje ministro da Defesa. O território é ocupado pelas forças do Governo, que às vezes até inauguram obras, como o teleférico do Alemão, novas delegacias, etc. A população sabe que deve desconfiar dessas coisas: se colaborar com a Polícia, paga caro quando a Polícia for embora (e vai) deixando de novo a favela nas mãos dos bandidos. A obra fica, mas a delegacia não tem pessoal, o posto de saúde não tem nada, o teleférico está quebrado e há meses não se preocupam com ele. Sobram belas ruínas. Houve um intervalo de paz. Mas escolas, posto de saúde, esgotos… pode esquecer.
A opinião do presidente
Há em Brasília um senhor que foi eleito dizendo que era linha-dura. Ele se orgulha das más condições sanitárias do país. Sua frase, em 25 de março de 2020: “O brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele.” Por isso, explicou, o coronavírus não seria tão mortal aqui no Brasil”. E este senhor, puxa vida, como conhece milicianos!”
É espantoso.
Uns e outros
O domínio de vastas áreas do país por bandidos é como uma infecção, e espalha-se. Os milicianos constroem edifícios (até de alto luxo) em áreas que deveriam ser preservadas – mas quem os impedirá? Setores da classe média, seduzidos pela ótima localização e bons preços, compram seus apartamentos. Enredam-se assim na teia do banditismo. Integram também os grupos que exigem segurança pública. Como segurança não há, aplaudem a violência. Vestiu-se mal, é bandido.
Bandido bom, acreditam, é bandido morto.
Salvar vidas
Claro, é preciso investigar o que houve, identificar e punir abusos. Mas, a menos que esse território seja reincorporado ao Brasil, seguindo as leis do país, não vai adiantar nada. Se o Estado não exercer sua função, os bandidos exercerão a deles. Não adiantará fazer passeatas pela paz, todos de branco, rezando em cruzes fincadas na praia. As cruzes ficarão, a paz não haverá.
Falou e não disse
Quando Bolsonaro soube que o Butantan trabalha no desenvolvimento de uma vacina que poderá ser produzida inteiramente no Brasil, sem importar nada, anunciou que o ministro Astronauta coordenava a elaboração de três vacinas nacionais. Pelo menos uma era verdadeira. Só que, logo depois de feito o anúncio, Bolsonaro cortou as verbas usadas na pesquisa pela Universidade de Medicina de Ribeirão Preto – R$ 200 milhões de reais. Mas manteve a verba de publicidade da Saúde, de R$ 241 milhões – talvez assim possa ampliar a campanha pró-cloroquina. Quando prometeu a Biden duplicar o gasto com a fiscalização do desmatamento amazônico, logo após cortou as verbas todas. Para garantir que essas bobagens de boa formação de alunos não prosperem, cortou as verbas das universidades federais de tal maneira que dificilmente poderão trabalhar de julho em diante.
Siga o chefe
O deputado gaúcho Nereu Crispim insultou a ótima repórter Rosana de Oliveira, de Zero Hora. Motivo: revelou que ele foi recordista de aluguel de carros na Câmara Federal.
Pura verdade. Mas ele ficou bravo, aos palavrões.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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