(*) Waldir Maranhão
O Brasil vive um momento sui generis e grave, seja em decorrência do aumento do caos social, seja pelo descontrole da pandemia. Soma-se a esse cenário de tragédia a mesmice que impera na política nacional, pois seus atores preocupam-se apenas com os próprios interesses, abandonando o cidadão à própria sorte.
Há muito insisto na importância de o Estado investir pesadamente na Educação como forma de garantir um país melhor e desenvolvido às próximas gerações.
Ao mesmo tempo, gostem ou não os críticos, é impossível fechar os olhos para a tragédia social que só faz aumentar e foi escancarada pela mais grave crise sanitária dos últimos cem anos.
Enquanto o brasileiro, sempre corajoso diante das adversidades, tenta se equilibrar na corda bamba do cotidiano, autoridades fazem a festa no Planalto Central.
O escândalo do “orçamento secreto”, que abriga R$ 3 bilhões do suado dinheiro público para que o presidente da República consiga comprar apoio político, começa a perder espaço no noticiário, como se fosse algo menor e cuja importância tenha evaporado como éter no ar.
Deixar que esse caso caia no esquecimento será mais um escárnio a pontuar a conturbada história polícia brasileira, o que acaba contribuindo para a manutenção de um status quo que teimosamente ignora a existência do cidadão mais necessitado.
Como se a tragédia nacional nada representasse e não merecesse a devida atenção do Estado, o ministro da Economia decidiu driblar a legislação vigente para aumentar os salários de aproximadamente 1 mil autoridades, dentre elas o presidente e o vice-presidente da República, além de ministros de Estado e outros colaboradores do governo.
O aumento ultrapassa o teto constitucional, mas respeitar a Carta Magna não é o forte do atual governo, que insistentemente ameaça a democracia ao defender o fechamento do STF e do Congresso Nacional.
Se por um lado os aumentos salariais decorrentes da covarde manobra de Paulo Guedes garantirão aos contemplados até R$ 40 mil a mais nos contracheques, por outro o governo central continua acreditando que o auxílio emergencial no valor de R$ 150 (quatro parcelas) é um enorme favor.
Atualmente, 35 milhões de brasileiros vivem na extrema pobreza, o que representa 16% da população. Lançados ao abandono pelo Estado, esses brasileiros tentam sobreviver com no máximo R$ 8 por dia, valor irrisório se comparado ao restrito aumento salarial anunciado pelo governo e que contemplará os “amigos do rei”.
Não pretendo questionar se os contemplados pelo aumento salarial merecem ou não o benefício, mas questiono o flagrante desrespeito à Constituição. Quando questionado sobre as ameaças à democracia e ao Estado Democrático de Direito, o presidente da República sempre repete que atua “dentro das quatro linhas da Constituição”. Ora, as tais quatro linhas servem apenas para amenizar o flerte com o retrocesso ou valem para limitar os valores dos salários dos servidores públicos, cujo teto é a remuneração de um ministro do Supremo?
Nesses tempos de pandemia, muito tem se falado em volta à normalidade e a importância de se manter a esperança em relação ao amanhã. É impossível falar de futuro com um quadro desalentador que sequer incomoda os “donos do poder”. É inaceitável falar em normalidade sabendo que a anormalidade, sempre persistente, nos persegue há décadas. E ninguém deve aceitar a anormalidade como normal. No máximo deve-se admitir que no Brasil a anormalidade tornou-se comum.
No terreno da pandemia, a falta de vacinas contra Covid-19 não apenas causa medo, mas impulsiona a desesperança. Não merece respeito um governo que ignorou cinco ofertas de vacinas produzidas, enquanto dezenas de milhares de brasileiros tombavam diante do novo coronavírus.
Além disso, é cumplice no morticínio quem aceita passivamente a afirmação de que o governo “fez o que pôde” para combater a pandemia. O governo fez quase nada em relação à pandemia, mas para não piorar o quadro resolveu agir com um ano de atraso e criou a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19. Será que a letargia do governo só acaba quando morrem 430 mil pessoas?
É preciso reagir ao deboche institucionalizado com a opinião pública, pois é pura balela justificar a omissão do Estado com o discurso de que o brasileiro é forte porque “pula o esgoto e não acontece nada”. Tal declaração é a prova maior de que o Estado, como um todo, é omisso e por isso deve ser cobrado e punido. Não se deve aceitar o curandeirismo defendido pelos negacionistas de gabinete.
Se até aqui o quadro não é dos melhores, a situação piora e muito com a falta de verbas para a Educação. Os recursos disponibilizados nesta sexta-feira (14) pelo governo às universidades federais garantem uma sobrevida de no máximo dois meses. Ou seja, as instituições de ensino não têm como se planejar. Sem planejamento não há educação, sem educação não há como aprender, sem conhecimento não há cidadania, não há trabalho, não há democracia.
A falta de verbas para a Educação já produz estragos imediatos. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2021 só será realizado no começo do próximo ano. A verba destinada ao Enem, segundo o Ministério da Educação, é insuficiente para aplicar a prova a todos os participantes. A pasta também alega que faltará dinheiro para custear bolsas de estudo de 92 mil cientistas, incluindo pesquisadores da Covid-19, médicos residentes e para livros didáticos.
À frente do Ministério da Economia, pelo menos por enquanto, Paulo Guedes defende o liberalismo em seus discursos, mas chuta os fundilhos da tese econômica com declarações absurdas. Guedes já criticou as domésticas que foram à Disney, reclamou que o brasileiro quer viver mais de 100 anos, disse que servidores públicos são militantes e comparou-os a parasitas, pediu que o funcionalismo parasse de assaltar o Brasil.
Ao mesmo tempo em que aciona a verborragia irresponsável para fazer a alegria da classe privilegiada, o INSS tem pelo menos 2 milhões de processos de aposentadoria parados à espera de análise e deferimento. Isso acontece porque o INSS está abandonado e não tem servidores em quantidade suficiente.
Futuro. Que futuro é esse? Normal? Que normal é esse que as pessoas tanto falam depois de encher os pulmões de ar?
Disse o ex-governador Leonel Brizola: “Uma criança só pode aprender quando se nutre, e não quando está cheia de parasitas.”
É preciso agir imediatamente para garantir o futuro de um país onde tenta-se combater o novo coronavírus com vermífugo que não mata sequer piolho. Voltarei à carga no próximo artigo.
(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.
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