(*) Gisele Leite
As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são organismos previstos na vigente Constituição Federal Brasileira no terceiro parágrafo do artigo 58 e, também são regulamentadas por duas leis, a saber: a Lei 1.579/52 e a Lei 10.001/2000, ainda sendo aplicado subsidiariamente o Código Penal Brasileiro e o Código de Processo Penal brasileiro.
De fato, tais comissões possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros igualmente previstos nos regimentos das respectivas Casas Legislativas. Que poderão atuar em conjunto, ou separadamente, mediante o requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, conforme o caso, encaminhadas ao Ministério Público a fim de que promover a responsabilização civil e penal dos respectivos infratores.
É verdade que o STF já decidiu que a CPI tem o poder de decretar prisão preventiva de investigado, posto que relacionado com os poderes instrutórios peculiares às autoridades judiciais, mas, em nosso país, o juiz como regra não investiga, pois adotamos o sistema processual penal acusatório.
Ao ter poderes próprios de autoridades judiciais corresponde afirmar que a CPI é dotada de autoridade para notificar testemunhas, determinar condução coercitiva destas, prender em flagrante e, o seu respectivo presidente, tem ainda o poder de polícia durante a sessão.
Porém, o investigado não pode ser preso por falso testemunho, pois não tem a obrigação de falar a verdade, mas sim, o direito constitucional ao silêncio, e pode determinar também a realização de exames, perícias e vistorias.
Há jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) que impedem uma testemunha de não comparecer a uma CPI caso ela tenha sido convocada. Os investigados, no entanto, podem escolher não comparecer à comissão. Integrantes da CPI da Pandemia optaram por convocar ex-ministros da Saúde como testemunhas para garantir que eles colaborem de alguma forma com a comissão.
A doutrina contemporânea acrescenta que alguma dessas medidas de reserva constitucional, tal como a expedição de mandado de prisão, de interceptação telefônica, quebra de sigilos (bancário, de correspondência, de telefonia) e busca e apreensão;
Com maestria ensinou Ministro Celso de Mello, “in litteris”:
“O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. (MS 23.452)”.
Conclui-se, portanto, que a CPI não tem o poder de decretar a prisão preventiva de investigado ou de testemunha, mesmo em flagrância de falso testemunho, embora tenha poderes próprios de autoridades judiciais. Lembremos que a decretação de prisão preventiva é ostensivamente protegida pela cláusula de reserva de jurisdição, o que exige expressa autorização judicial para tanto.
Ao tratar do objeto das CPIs, Pedro Lenza traz à baila voto do Ministro Paulo Brossard no HC 71.039/RJ (DJ, 06.12.1996, p. 48708, j. 07.04.1994, Tribunal Pleno/STF), para quem “são amplos os poderes da comissão parlamentar de inquérito, pois são os necessários e úteis para o cabal desempenho de suas atribuições. Contudo, não são ilimitados.
Toda autoridade, seja ela qual for, está sujeita à Constituição Federal Brasileira. O Poder Legislativo também e, com este, as suas comissões. A Comissão Parlamentar de Inquérito encontra na jurisdição constitucional do Congresso seus limites.
Por uma necessidade funcional, a comissão parlamentar de inquérito não tem poderes universais, mas limitados a fatos determinados, o que não quer dizer não possa haver tantas comissões quantas as necessárias para realizar as investigações recomendáveis, e que outros fatos, inicialmente imprevistos, não possam ser aditados aos objetivos da comissão de inquérito, já em ação.
O poder de investigar não é um fim em si mesmo, mas um poder instrumental ou ancilar relacionado com as atribuições do Poder Legislativo”. Desse contexto, infere-se que o objeto da CPI deve ser bem delimitado.
Contudo, segundo a doutrina e a jurisprudência pátrias, à luz do Princípio da Separação de Poderes, as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem desempenhar atos de competência exclusiva do Poder Judiciário, aqueles atos denominados tipicamente jurisdicionais.
Paulo Gustavo Gonet Branco “apud” De Souza afirma que “tem-se frisado que o poder de investigação judicial que o constituinte estendeu às CPIs não se confunde com os poderes gerais de cautela de que dispõe os magistrados nos feitos judiciais. Estes não foram atribuídos às Comissões Parlamentares de Inquérito”. Isso, porque todo ato cautelar está relacionado ao um processo judicial.
E, a CPI realiza uma investigação política, e não uma investigação criminal, já que não processa seus investigados, como antes mencionado.
Ressalte-se que a CPI não tem o poder de julgar, nem punir seja os investigados ou testemunhas. Portanto, não processa, nem julga, apenas investiga fatos determinados. E, assim não pode determinar medidas cautelares, como prisões provisórias, indisponibilidade de bens, arresto e sequestro.
Relevante ressaltar que o objetivo de uma CPI é unicamente investigar, não é de sua competência, aplicar penas. Entretanto, a comissão dispõe de certos poderes de investigação semelhantes ao de uma autoridade judicial, podendo inclusive, solicitar quebra de sigilo bancário; requisitar informações e documentos sigilosos; ouvir testemunhas, sob pena de condução coercitiva; etc.
Todavia, esses poderes não são idênticos aos dos magistrados, visto que a comissão não pode efetuar prisões, quebra de sigilo telefônico, nem ordenar busca domiciliar.
Geralmente, a CPI tem um tempo determinado de 120 (cento e vinte) dias, que pode ser estendido. O relatório final das investigações é de responsabilidade exclusiva do relator, escolhido por votação. Após o mesmo ser aprovado pela Comissão, é encaminhado para o Ministério Público, órgão responsável por tomar as providências necessárias e encaminhar o caso para o Judiciário.
Há uma divergência doutrinária no que tange aos limites dos poderes investigatórios e instrutórios da CPI. Alguns doutrinadores, como Luis Roberto Barroso, defendem que não há a possibilidade de equiparação dos poderes investigativos da CPI com os poderes inerentes à atividade judiciária com base no princípio da separação dos Poderes.
Aliás, o Ministro Barroso defende que o poder dado à CPI, semelhante ao do juiz, é apenas no que diz respeito ao tratamento das testemunhas, na condução coercitiva e na obrigatoriedade de dizer a verdade.
Já o autor Luiz Carlos dos Santos Gonçalves defende a amplitude dos poderes investigatórios dessas Comissões e a impossibilidade de delimitação por normas infraconstitucionais daquilo que a própria Constituição não limitou.
Tergiversando, caso houvesse o cometimento explícito de delito perante o presidente da CPI, o que lhe caberá fazer, seria reunir todo o material da investigação e, encaminhar in continenti ao Ministério Público para tomar as providências de praxe, entre estas, a denúncia e, quiçá a eventual requisição de prisão. Diante da negativa de tais procedimentos, ter-se-ia materialização da improbidade administrativa.
Referências:
CHINELATTO, Thiago. Uma CPI pode decretar a prisão do investigado? Disponível em: https://thiagochinellato.jusbrasil.com.br/artigos/121942672/uma-cpi-pode-decretar-a-prisao-do-investigado#:~:text=Do%20exposto%20podemos%20concluir%20que,exige%20autoriza%C3%A7%C3%A3o%20judicial%20para%20tanto. Acesso em 12.5.2021.
DE SOUZA, Cristiane Castro Carvalho. Os Poderes Das Comissões Parlamentares de Inquérito para Decretar Prisão de um Investigado. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42448/os-poderes-das-comissoes-parlamentares-de-inquerito-para-decretar-prisao-de-um-investigado Acesso em 12.5.2021.
LIMA, Eduardo Martins de; MAGELE, Lorraine Aparecida de Oliveira. Os Poderes Instrutórios e de Investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=2d556f12cb76c6ae Acesso em 12.5.2021.
(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.
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