(*) Waldir Maranhão
Prega a sabedoria popular que “o pior cego é aquele que não quer ver”. Na minha opinião não há ser humano pior ou melhor, assim como não há cego pior ou melhor. Mesmo assim, o adágio em questão serve para ilustrar a postura do presidente da República diante de fatos inquestionáveis.
Cansado de tantos desmandos e do populismo barato que tomou conta do país, o brasileiro decidiu sair às ruas para protestar contra o governo de Jair Bolsonaro, que tenta impor à população uma maneira de ser e existir que mira o retrocesso.
Em meio à pandemia e cientes dos riscos dela decorrentes, os brasileiros saíram às ruas no último sábado, 29 de maio, para protestar contra o governo e a forma como vem se dando o enfrentamento da maior crise sanitária dos últimos cem anos. Além disso, na pauta de reivindicações entraram temas que tenho ressaltado nos artigos: fome, educação, saúde, dignidade de vida.
Em mais de 200 cidades do país, incluindo as 27 capitais, o povo ocupou ruas e avenidas para protestar e cobrar “vacina no braço e comida no prato”, assim como um valor maior para o auxílio emergencial, investimentos em saúde e educação.
No domingo, o presidente deixou aos seus apoiadores a tarefa de tentar desqualificar os protestos que reuniram milhares de pessoas, mas nesta segunda-feira, 31 de maio, o próprio Bolsonaro tratou de colocar mais lenha em uma fogueira que promete queimar durante muito tempo.
Desdenhando do número de manifestantes que foram aos atos contra o governo, Bolsonaro disse que “faltou erva para o movimento”.
Essa falta de sensibilidade não assusta até mesmo os que conhecem minimamente o presidente, mas associar de forma generalizada os manifestantes às drogas é sinal de desespero e preocupação com o que pode surgir das ruas de agora em diante. E essa declaração com certeza funcionará como incentivo a novos protestos.
Fosse dotado de inteligência política, situação que até agora não conseguiu provar, o presidente Bolsonaro aceitaria pacificamente a reação do povo e ouviria de forma atenta a voz que ecoou do asfalto.
Sem saber lidar com a diversidade, Bolsonaro não aceita opinião divergente. Quando isso acontece, sua reação é típica de alguém que se deixa perturbar pelo contraditório. O que explica suas intempestivas reações e ameaças típicas de totalitaristas.
Faço uma pausa para recorrer ao dramaturgo e filósofo argelino Albert Camus, que certa feita afirmou: “O homem é a criatura que, para afirmar o seu ser e a sua diferença, nega.”
O presidente Bolsonaro é o resumo do pensamento de Camus: nega o inegável, contraria o óbvio, defende o absurdo, desde que seus interesses tacanhos sejam preservados.
Voltando às manifestações… Qualquer governante com doses mínimas de responsabilidade teria reagido de maneira diferente, assimilando o recado que veio das ruas.
O brasileiro foi às ruas porque está cansado das ameaças e dos deboches que se tornaram marca registrada de um governo desacreditado. Porque tem direito à saúde, como garante a Constituição Federal de 1988, porque exige vacinas para todos. Porque clama por comida no prato, por um auxílio emergencial que garanta condições mínimas de sobrevivência.
O brasileiro foi às ruas porque não mais suporta a condição de refém de um vírus desconhecido e letal, porque não aguenta mais conviver com hospitais lotados e necrotérios cheios.
A população faz a sua parte ao pagar impostos – a mais pesada carga tributária do mundo – e tem o direito de exigir. Quando o Estado cobra o que quer, o contribuinte tem direito a tudo e mais um pouco. No Brasil, infelizmente, essa equação não fecha. Paga-se muito, recebe-se pouco e como se fosse um enorme favor.
Defensores do presidente alegam que partiu do governo a inciativa de fixar em R$ 600,00 o valor da primeira rodada do auxílio emergencial. Em março de 2020, o ministro Paulo Guedes (Economia) sugeriu auxílio no valor de R$ 200,00 e por três meses.
Naquele momento, o governo recebia as primeiras correspondências da Pfizer para a compra ou reserva de doses de vacina contra Covid-19. Na contramão do bom-senso, o governo apostou na imunidade de rebanho e investiu no tratamento precoce. Até agora, 463 mil brasileiros perderam a batalha para o coronavírus, além de mais de 16 milhões que contraíram Covid-19 (casos confirmados).
Com a inépcia do governo no processo de compra de vacinas, o pagamento do auxílio emergencial precisou ser prorrogado duas vezes. Na mais recente prorrogação, decidiu-se pagar mais quatro parcelas de R$ 150,00 por quatro meses.
Até o início do efeito início do pagamento do benefício os famintos precisaram aguardar mais de três meses, como se a fome pudesse esperar. Não fosse a solidariedade do brasileiro, a tragédia por certo seria muito maior.
Somente um político desavisado acredita ser possível viver no Brasil com R$ 5,00 por dia. Mesmo assim, o presidente e seus assessores creem que a nova rodada do auxílio emergencial é presente dos deuses. Talvez o plano do governo seja avançar com a matança em que se transformou a pandemia no Brasil.
Os protestos de junho de 2013 tiveram como eixo principal o aumento da tarifa dos transportes públicos. Na ocasião, os manifestantes reclamavam de R$ 0,30 de aumento na tarifa de transportes, cobravam investimentos em saúde e educação e criticavam a violência policial e os gastos com a Copa de 2014. O resultado todos conhecem.
Agora, os protestos são movidos pela fome – que nas ruas reverbera de forma quase ensurdecedora –, pela falta de vacinas. Mesmo assim, Bolsonaro tem apostado na politização dos quarteis e das forças de segurança, além de ter se oferecido para sediar a Copa das Américas, em meio ao recrudescimento da pandemia. O resultado desse caldeirão fervente todos imaginam.
O presidente deveria deixar o populismo de lado e ouvir a voz das ruas, enquanto é tempo.
(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.
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