Um país muito estranho

(*) Carlos Brickmann

Está decidido: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deixa em breve seu atual partido, o DEM, para se filiar ao PSD, de Gilberto Kassab. E, pelo PSD, deve ser candidato à Presidência da República, tentando abrir caminho entre bolsonaristas e petistas. Tudo bem, não será só ele. Mas Kassab jamais pulou em piscina vazia. É um político de rara habilidade e todos os que atuam no ramo aprenderam a respeitar seu faro e seu raciocínio sobre o Poder.

Rodrigo Pacheco? Até hoje, seu mais vistoso distintivo é fazer política em Minas. É uma esplêndida escola, a de Tancredo, Magalhães, JK, Alkimin, Benedito Valladares; mas esta escola há alguns anos já não revela ninguém. Há candidatos que ocupam postos melhores, como Doria, Tasso, Eduardo Leite; Datena, popularíssimo; Ciro, com várias campanhas presidenciais. E Kassab aposta em Rodrigo Pacheco? Uma coisa é certa: Kassab vislumbrou a grande possibilidade de Bolsonaro não chegar ao segundo turno, dando a seu candidato a oportunidade de ser o anti-Lula; ou de Lula também ficar no caminho, permitindo outro tipo de disputa. Kassab é frio o suficiente para saber que não se ganha eleição de véspera. Mas deve achar também que as condições da disputa permitem que seu candidato tenha chance de ganhar.

E Bolsonaro, se nem chegar ao segundo turno para reclamar das urnas? Como não dizia Humphrey Bogart em Casablanca, sempre lhe restará Mar-a-Lago, o refúgio de Trump na Flórida.

Mergulhando

As contas de Kassab levam em consideração as últimas pesquisas – todas elas. A rejeição ao presidente ultrapassou os 50%. A rejeição de Lula é um pouco menor, mas não muito longe disso. Está na hora, portanto, de criar as condições para que surja um candidato de centro. Fazer política, enfim, para reforçar um candidato e permitir-lhe disputar com quem quer que seja. E as indicações para Bolsonaro são péssimas. Para quem se elegeu garantindo que governaria com honestidade, é terrível saber que 70% dos eleitores acham que há corrupção no Governo (e, em particular, na Saúde: 64%).

Pior ainda, apesar de toda a campanha de Bolsonaro contra as vacinas, que incluiu o tal risco de virar jacaré. 94% da população querem ser vacinados. Justo nessa hora se descobre que houve tentativas de tomar algum na compra de vacinas da Índia, enquanto não havia sequer resposta à Pfizer e se tentava ridicularizar a CoronaVac, fruto de um acordo do Butantan com os chineses.

Mourão, frase um

Do vice-presidente general Hamilton Mourão, há tempos escanteado por Bolsonaro, dizendo que é preciso lutar para evitar que o comunismo domine o país e completando: “Somos todos Bolsonaro”. É uma frase que relembra um clássico do futebol: “O treinador está prestigiado”.

Mourão, frase dois

O general Mourão disse, no mesmo vídeo, que é importante estimular a educação. O presidente Bolsonaro (“Somos todos Bolsonaro”) é o autor da frase sobre o tipo de resposta que daria à CPI. Podemos apostar que Mourão jamais diria algo desse tipo sem ouvir reprimendas de seus pais. Em seguida, Bolsonaro disse a seus adeptos, naquele cercadinho em que os recebe, que é um cocô igual a eles.

O sr. diria, general Mourão, que isto é educação?

Boa notícia

A Câmara dos Deputados aprovou ontem um projeto de lei que dificulta o pagamento de salários pelo Tesouro acima de R$ 39.200,00, o teto fixado pela Constituição. Até agora, tudo quanto era penduricalho entrava no bolso dos privilegiados como se não fosse parte do salário. Se o projeto passar pelo Senado e for sancionado pelo presidente Bolsonaro, só alguns benefícios deixarão de ser considerados extrassalariais. E, ainda assim, será preciso provar que alguém, que já recebe por sua função e passa a receber também por outra, está trabalhando mais do que o fazia. Mas, mesmo que o projeto seja aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente, será preciso tomar conta das despesas (gasolina, carros, assessores em demasia) para que o país deixe de ser roubado. Rachadinha, por exemplo, só existe porque há montes de assessores, nomeados apenas para transferir seu salário para os chefes.

Má notícia

Para que se tenha uma ideia dos gastos públicos, no Estado de São Paulo há 23 cidades em que toda a arrecadação de impostos é insuficiente para pagar as despesas das Câmaras Municipais. Dos governos, a cidade recebe dinheiro, antes de mais nada, para pagar seus custos administrativos. Só mais tarde começam as preocupações com o que é preciso fazer pela população.

Show da fé

Bolsonaro anunciou a escolha para o Supremo. É seu aliado André Mendonça, cuja principal qualidade nada tem a ver com conhecimentos jurídicos: é ser “terrivelmente evangélico”.

Nada contra sua fé; mas vê-la transformada em condição essencial para a nomeação soa estranho.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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