Para ser uma nação democrática e justa, Brasil precisa adotar o “analfabetismo zero”

 
(*) Waldir Maranhão

Como já destacado em artigos anteriores, minha bandeira é e sempre será a educação, ferramenta imprescindível para a transformação da sociedade, para alcançarmos a condição de nação justa e digna para todos.

Ao contrário do que podem imaginar os leitores, minha preocupação vai além da educação básica do brasileiro, avança no campo do analfabetismo. O que para muitos pode parecer um cenário utópico e distante, para parte da população é uma realidade dura e inaceitável que impulsiona a exclusão social.

O analfabetismo precisa ser combatido com ações concretas e permanentes, não com os conhecidos discursos que lambuzam palanques eleitorais.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Educação, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o analfabetismo no Brasil apresentou melhora discreta, saindo de 6,8% da população, em 2018, para 6,6% em 2020. Isso significa que 11 milhões de brasileiros, com 15 anos de idade ou mais, não sabem ler e escrever.

Na comparação com uma população de 219 milhões de habitantes, o resultado da Pnad aparenta não ser tão grave. Para que o leitor consiga avaliar a extensão do absurdo, Portugal tem pouco mais de 10 milhões de habitantes, ou seja, o número de brasileiros analfabetos é maior que a população portuguesa.

O problema não vai além do resultado da Pnad. Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), há no Brasil 29% da população brasileira é de analfabetos funcionais, que apresentam dificuldades para interpretar e aplicar textos e realizar operações matemáticas simples no cotidiano. Isso impacta na vida como cidadão, inclusive no trabalho.

Desenvolvido pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com a ONG Ação Educativa e realizado pelo Ibope Inteligência, o Inaf é aplicado a brasileiros entre 15 e 64 anos de idade por meio de teste que analisa habilidades e práticas de leitura, de escrita e de matemática voltadas ao cotidiano.

De acordo com os resultados do levantamento, o contingente de analfabetos funcionais é dividido em dois grupos: os absolutos, 8%, que não conseguem ler palavras ou frases e números telefônicos, por exemplo, e os rudimentares, 21%, que têm dificuldade para identificar ironias e sarcasmos em textos curtos e realizar operações simples, como cálculo de dinheiro.

Um dos causadores desse panorama desolador é o abandono escolar, que certamente cresceu durante a pandemia do novo coronavírus. Reverter esse cenário exige investimentos públicos e programas educacionais específicos para resgatar aquele que abandonou os estudos.

Independentemente da ação do Estado, mudar essa triste realidade exige que cada cidadão se envolva, direta ou indiretamente, nesse processo. Volto no tempo e recorro ao conceito do programa “Comunidade Solidária”, criado pela saudosa antropóloga e professora Ruth Cardoso.

Para erradicarmos o analfabetismo no Brasil em todos os níveis é preciso encampar o conceito do “Comunidade Solidária”, que impulsionou de forma inequívoca o desenvolvimento social e o fortalecimento da sociedade de maneira geral. Recorro também ao conceito do programa “Fome Zero”, idealizado pelo sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho.

É importante que combate ao analfabetismo esteja vinculado a outros programas sociais, como forma de colocar o cidadão no campo do aprendizado. Obrigada a garantir a sobrevivência e lutar contra o desemprego e a falta de moradia, a parcela marginalizada da população acaba por não se preocupar com a alfabetização, com o conhecimento mínimo. Essa imposição vinculante deve ser imperativa.

Todo homem público comprometido com a população tem o dever de combater o analfabetismo em todas as escalas, pois do contrário não se pode falar em dignidade de vida e crescimento econômico. Mesmo assim, meu desejo vai além, muito além. Tenho como meta dar os primeiros passos para que a maioria dos brasileiros consiga avançar na seara da capacidade cognitiva, sem a qual a compreensão dos fatos torna-se impossível. Não é um processo fácil e rápido, mas é preciso começar.

O cidadão precisa ter capacidade de interpretar os estímulos à sua volta, possibilitando a tomada de decisões, as quais nortearão a vida, suas escolhas e planos.

Nos últimos meses, em meio à crescente instabilidade institucional e às constantes ameaças à democracia, temos visto e ouvido uma retórica excludente que desconsidera a capacidade de compreensão da maioria da sociedade brasileira.

Muito se fala em defender a democracia e garantir o direito à liberdade de expressão, o que não é absoluto, mas é impossível fazer tais defesas sem que parte da população compreenda minimamente o que acontece no país.

Esse desconhecimento, fruto da falta de investimentos na educação e da ausência de oportunidades, fez com que o Brasil passasse a caminhar à beira do precipício.

Erradicar o analfabetismo, funcional ou não, significa não apenas estimular a habilidade para a leitura, a escrita e os cálculos matemáticos, mas, também e principalmente, possibilitar a compreensão da realidade social, econômica e política do país e seus respectivos desdobramentos, o que, em ato contínuo e gradual, permite combater a exclusão social, econômica e cultural de todos os brasileiros que dependem do trabalho e trocam os estudos pela sobrevivência.

Na democracia, o princípio da isonomia exige que o mesmo ponto de partida seja disponibilizado a todos, com especial atenção aos estigmatizados por uma tragédia social que só faz crescer.

Disse o educador Paulo Freire: “Descobri que o analfabetismo era uma castração dos homens e das mulheres, uma proibição que a sociedade organizada impunha às classes populares

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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