(*) Marli Gonçalves
O momento terrivelmente que passamos é total, com a expressão podendo ser aplicada para definir praticamente todos os acontecimentos pelos quais passamos ou somos informados. A pergunta é: e se piorar, o tempo vai fechar mais ainda?
É terrível. Tenho me sentido assim, terrivelmente aborrecida, e lutando, girando igual Giroflex, movimentando a cabeça para todos os lados, buscando encontrar coisas, pessoas, experiências legais que possam me fazer sentir, de alguma forma, ao contrário, melhor, terrivelmente feliz, animada, mais confiante em mudanças. Aqui e ali até que tudo bem, mas sei ser mais por conta de meu espírito otimista e bem humorado, e que às vezes nem sei bem como ainda consigo manter.
O clima de final de ano já não ajuda muito, convenhamos. O clima de final de ano de dois seguidos dominados pela pandemia e tudo o que significa, e as mudanças que ela não para de trazer, eis o mundo transformado numa caixinha de surpresas. O que estamos encontrando aí fora, no tal novo normal, bem diferente, e tenho passado um tempo observando para entender melhor, ainda sem clareza e com muitas dúvidas.
Vejo os estádios de futebol lotados e as festas dos times campeões nas ruas. Vejo de longe, claro, nas telas. Incrível como nosso país se mobiliza pelo futebol. Se mobiliza também pelos shows, especialmente os gratuitos, que andaram pipocando nesse momentinho de maior abertura. Nessas horas o medo é substituído pela euforia. Aglomerações nesse momento parecem provocações para forçar até onde tudo isso vai.
Mas raramente vemos o país mobilizado para melhorar. Ouvi, e você também, e com toda a certeza, muitas vezes, que assim que fosse possível haveria manifestações para mostrar o desagrado com a política desse governo cada vez mais mal avaliado – nas pesquisas, nos papéis frios, nas decisões e indecisões, excesso de bobeiras, nos resultados cada vez terrivelmente ruins em todas as áreas, economia, saúde, educação, saneamento, uma lista enorme que inclui a incapacidade de controle, organização, compreensão e ação efetiva.
Estou aqui esperando, sentada, balançando a perninha. Sem entender porque – à beira de um ano eleitoral fundamental – ainda estamos tratando com os mesmos candidatos, alguns do século passado, nos mesmos debates e embates, as mesmas divisões, os mesmos erros prontos a serem novamente cometidos. Ou pior, perpetuados. O povo nas ruas, sim, no futebol, nos shows, e também no bate perna de milhões à procura de emprego, de algum trabalho, do que levar para casa, aglomerados em filas e plataformas de transportes públicos que nunca se expandem, a não ser em promessas.
Já ouvimos os batuques ecoando um incerto Carnaval. Sabemos de festas já canceladas de Ano-Novo. Máscaras continuarão obrigatórias, tenha certeza, por mais um bom tempo, embora cada vez mais estejam sendo abaixadas, criando conflitos com os que querem se cuidar. Corremos para vacinar mais e mais, ao mesmo tempo que as nossas porteiras e fronteiras continuam sedutoras aos que se recusam a elas. O coronavírus continuamente trocando de roupagem arreganha os dentes para todo o planeta.
Aí chega uma dúvida cruel. O que acontecerá se acaso as coisas se complicarem demais e novamente? Ou seja, se for preciso que se tomem decisões verdadeiramente radicais? Quero dizer, fechar tudo, parar tudo. Isso é terrivelmente possível.
Vai ter guerra? Desobediências que poderão levar a conflitos civis? Quem mais tentará se aproveitar desse momento? Qual será o comportamento nacional?
O futuro comprometido está próximo de, além de ter sido aceito um ministro “terrivelmente evangélico” para integrar pelas próximas décadas o principal tribunal de decisões fundamentais, todos entendermos na pele que esse não é um bom advérbio. Terrivelmente é tudo de ruim; assustador, forte, violento.
Temos de falar sobre isso. Ainda teremos muito o que falar sobre isso tudo.
(*) Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de “Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também”, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.
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