Os tecidos de nossas redomas

(*) Marli Gonçalves

Como se proteger de tantas coisas ao mesmo tempo? Penso em redomas. Há muitos anos um grande cara, Fernando Portela, jornalista, escritor e grande conhecedor das coisas abstratas, me ensinou a imaginá-las me protegendo quando precisasse entrar em um lugar, digamos, mais esquisito… Nunca esqueci.

Normalmente quando pensamos em redomas, as pensamos de vidro, mas elas nesse caso em que as criamos podem ser de vários materiais, de um invisível material, tecido mágico, entre inúmeras tramas que nosso cérebro sabe e pode tecer, e a nossa imaginação fortalecer. São sobre essas redomas das quais falo. Que nos envolvam completamente nas situações que delas precisamos. Inclusive que nos protejam de nós mesmos, que sempre nos ameaçamos e podemos ser nossos próprios e piores algozes.

Há, claro, a redoma mais concreta. Me sinto mais protegida ultimamente de tudo isso – e bota tudo isso nisso, que a cada dia se ampliam mais e mais as ameaças – quando estou em casa, que imagino como a maior proteção que alguém pode ter, sua casa, seu canto, sua caverninha, seu buraquinho. Digo casa no sentido mais amplo e ilimitado, e que pode ser também as barracas improvisadas que protegem as famílias vivendo nas ruas; ou o colchão ou papelão encontrado nas caçambas, e até o cobertor nas costas do drogado que vagueia perdido no seu mundo cão. Todos deveriam ter direito a um telhado firme, um chão seguro, sem medo de como três porquinhos sendo atacados pelo lobo mau não terem para onde correr.

Mas como não podemos nos limitar, mesmo em tempos de distanciamento, temos de sair de nossos cantos, e a cada dia está mais difícil sair e não se aborrecer antes de retornar, tanto desequilíbrio. Nossa redoma seria como lembrar da Oração de São Jorge: “…Para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem; tendo mãos, não me peguem; tendo olhos, não me vejam. E nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão; Facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar; Cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar…”

As redomas etéreas, as que imaginamos, são infinitas e ilimitadas. O legal é que você pode floreá-las. Em determinadas ocasiões, redomas tecidas em malhas de ferro ou aço, firmes, que possam rechaçar e repelir inclusive olhares malignos, olhos gordos ou falsos.

Em outras, peço aos céus e aos entes que me protegem que se unam e se fechem sobre mim, me cobrindo e ocultando.

Há as redomas misteriosas, podem ser de tule, com transparências e névoas que nos ocultem e mostrem até mais interessantes para os olhares externos que para ela se voltem, boas para procurar por aí paixões, amores, pessoas interessantes. Mais seguros poderíamos ir nos tornando, então, mais visíveis ao interesse externo. Ou, ao contrário, dali desaparecendo sem deixar rastros, depois das observações.

Verso sobre isso porque, assim como aprendi a tecer esses mantos, poderia ajudar a outros, que tentem esse mesmo tricô. E não será por falta de situações – medos, insegurança, loucura, ameaças – que todos poderão testar alguma eficácia delas no momento terrível em que estamos expostos a tantas poluições reais e espirituais que tanto mal seguidamente vêm nos trazendo.

(*) Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de “Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também”, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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