Preocupados com relógio de Lula, bolsonaristas ignoram mansão de Flávio e as “rachadinhas” de Queiroz

 
Com memória curta e seletiva quando o assunto é política, o brasileiro parece viver em um eterno programa de auditório, onde o animador está sempre pronto para acionar a alavanca do festival de besteiras que faz a alegria da plateia. Infelizmente, para o desespero daqueles que ainda conseguem pensar, essa é a realidade do País.

Nos últimos dias, a súcia bolsonarista se refestelou com uma imagem do ex-presidente Lula no evento de comemoração dos 100 anos do PC do B, no Rio de janeiro. O petista aparece com o braço erguido, com um relógio da marca Piaget no pulso esquerdo.

Foi o suficiente para a hora de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro invadir as redes sociais e dar destaque à incongruência entre o discurso do ex-presidente em defesa dos pobres e o suposto valor do relógio, que, segundo os detratores, custa por volta de R$ 80 mil. Sérgio Moro, o ex-juiz que condenava ao arrepio da lei, pegou carona na ópera bufa.

Primeiramente é preciso saber se o relógio é original e se de fato o preço informado nas postagens bolsonaristas condiz com a realidade. No caso de o relógio não ser autêntico, o máximo que se poderia fazer é acusar Lula de usar um produto falsificado, o que não significa que ele soubesse de tal detalhe. Do contrário, sendo confirmada a autenticidade do relógio, explorar o assunto politicamente é no mínimo falta de criatividade.

Como citamos na abertura da matéria, o brasileiro tem memória curta em relação a assuntos políticos. Considerando que os apoiadores de Bolsonaro parecem estar agarrados à coerência, não custa lembrar que o presidente da República recebeu em sua conta bancária depósitos feitos por Fabrício Queiroz, investigado por comandar o esquema das malfadadas “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Nesse mesmo episódio, a primeira-dama Michelle Bolsonaro também recebeu em sua depósitos feitos por Queiroz, sem que até o momento não houve explicações acerca do escárnio. Bolsonaro limitou-se a dizer que os depósitos feitos por Queiroz eram referentes ao pagamento de parte de um empréstimo feito ao responsável pelas “rachadinhas”. E o assunto caiu no esquecimento, até porque o agora presidente da República prometeu combater a corrupção e acabar com a “mamata”.

Flávio Bolsonaro, agora senador da República, teve contas pagas em dinheiro vivo por Queiroz, que admitiu o esquema das “rachadinhas”, sob a alegação de que os recursos públicos eram destinados à contratação de mais colaboradores para o gabinete do então deputado fluminense. Esse detalhe pouco importa aos bolsonaristas, pois o presidente foi eleito na esteira da promessa de combater a corrupção.

O senador Flávio Bolsonaro comprou, em janeiro de 2021, uma casa em condomínio de luxo de Brasília por R$ 6 milhões. Há quem garanta que um imóvel semelhante no Condomínio Ouro Branco, no setor de mansões Dom Bosco, valha muito mais do que o valor pago pelo senador.

 
Na transação, Flávio pagou parte do valor à vista, sendo que R$ 3,1 milhões foram financiados pelo Banco Regional de Brasília (BRB), instituição financeira sob o comando do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), conhecido apoiador do presidente da República. O financiamento tem prazo de trinta anos e uma das mais módicas taxas de juro do mercado (3,65% ao ano).

Há nesse ponto da epopeia do clã presidencial ao menos três detalhes que merecem atenção. O primeiro é que Flávio Bolsonaro declarou à Justiça Eleitoral, em 2018, patrimônio de R$ 1,74 milhão. Resumindo, o filho “01” do presidente descobriu a fórmula do milagre da multiplicação. E ninguém deve se preocupar com isso, pois na Receita Federal o papai manda e desmanda, pois ele próprio disse que uma de suas missões é dar “filé mignon aos filhos”.

O segundo detalhe é que um senador da República recebe mensalmente R$ 25 mil de salário (o valor bruto é de R$ 33,7 mil), enquanto cada parcela do financiamento imobiliário gira em torno de R$ 20 mil.

O terceiro detalhe, talvez o mais impressionante, é que a mansão em questão foi o vigésimo imóvel negociado por Flávio Bolsonaro ao longo de 16 anos. imóvel que ele negociou em 16 anos. Ninguém deve se preocupar, pois o senador era dono de uma franquia de chocolates de baixo movimento, cujo faturamento impressionava inclusive o franqueador.

Além disso, Flávio é acusado de desviar, ao longo de 14 anos de mandato parlamentar no Rio de Janeiro, cerca de R$ 6,1 milhões dos salários de doze servidores do seu gabinete. Ninguém deve se preocupar com esse detalhe, por abocanhar boa parte dos proventos de servidores é a maior especialidade da família presidencial. A popular Wal do Açaí é prova viva e ambulante – também falante – do esquema criminoso.

No momento em que a patrulha bolsonarista começa a dar importância a um relógio usado por um adversário político e ideológico, é porque a reeleição de Jair Bolsonaro não é algo tão simples e fácil como alegam seus bajuladores de plantão.

Para finalizar, esses néscios que emulam Bolsonaro não estão preocupados com a coerência, mas, sim, com um projeto de desconstrução de adversários políticos a partir de picuinhas, pois não têm o que mostrar em termos de realizações.

Não temos político de estimação, muito menos procuração para defender Lula, que sempre foi alvo de nossas críticas, mas é nossa obrigação ater-se à verdade dos fatos e cobrar coerência na política. Traduzindo, somos a favor da tese de que “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”.

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