Bolsonaro insiste em ameaçar a democracia e intensifica ofensiva contra o Supremo

(Evaristo Sá – AFP)

 
O presidente Jair Bolsonaro intensificou sua ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira (27) em um evento oficial no Palácio do Planalto, no qual atacou a Corte e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e defendeu uma contagem paralela de votos nas eleições deste ano, controlada pelas Forças Armadas.

Como vem alertando o UCHO.INFO desde a campanha presidencial de 2018, em algum momento Bolsonaro tentaria dar um “cavalo de pau” na democracia. Tudo indica que esse movimento, que configura clara ameaça à democracia, já começou.

A cerimônia em Brasília foi batizada de “ato cívico pela liberdade de expressão” e foi transmitida ao vivo pela TV Brasil. Com duração de quase duas horas, o evento contou com a presença e os discursos de parlamentares governistas e foi mobilizado pelas bancadas evangélica e da bala no Congresso.

Em sua fala, Bolsonaro voltou a levantar suspeitas sobre as urnas eletrônicas e disse que as Forças Armadas sugeriram ao TSE que os militares tenham um computador próprio para receber os votos a fim de realizarem uma apuração paralela das eleições.

O presidente alegou ainda que os votos nas eleições brasileiras são contados por técnicos do TSE em uma “sala secreta”, algo que o próprio tribunal já negou em julho do ano passado, após mais um ataque de Bolsonaro ao sistema eleitoral.

“Como os dados vêm pela internet para cá e tem um cabo que alimenta a sala secreta do TSE, uma das sugestões é que, nesse mesmo duto que alimenta a sala secreta, seja feita uma ramificação um pouquinho à direita para que tenhamos do lado um computador das Forças Armadas, para contar os votos no Brasil”, afirmou o presidente no evento.

Bolsonaro disse esperar uma resposta do TSE às sugestões dos militares nos próximos dias. “Estamos colaborando com o que há de melhor entre nós, e essas sugestões todas foram técnicas. Não se fala ali em voto impresso. Não precisamos de voto impresso para garantir a lisura das eleições. Mas precisamos de uma maneira para a gente confiar nas eleições.”

O presidente da República não tem histórico de afinidade com Daniel Silveira, mas transformou o deputado federal pelo PTB em ferramenta para provocar o STF. Em relação à ingerência dos militares no sistema eleitoral, é importante ressaltar que Bolsonaro e os filhos foram eleitos sem que isso fosse necessário. Em suma, a proposta é esticar a corda ao máximo para, em caso de derrota, levar o golpe a cabo.

 
Ataques a Barroso

O presidente ainda voltou a atacar o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que na semana passada, em videoconferência com alunos brasileiros da Hertie School, em Berlim, indicou haver tentativas para “jogar as Forças Armadas no varejo da política” e usá-las para desacreditar o processo eleitoral.

“Que acusação é essa?”, questionou Bolsonaro. “Isso não é o papel de alguém que é democrata, que luta por liberdade, que é o bem do seu povo.”

Barroso é alvo constante de Bolsonaro por ter sido presidente do Tribunal Superior Eleitoral de 2020 a 2022. Durante seu mandato, o ministro repeliu repetidamente questionamentos do presidente sobre a segurança das urnas eletrônicas e do processo eleitoral.

Nesta quarta-feira, Bolsonaro ainda cometeu um ato falho ao atacar Barroso, dizendo que o país tem “um chefe do Executivo que mente”. Chefe do Executivo é o presidente da República, mas ele aparentemente se referia ao ministro do STF, pois chegou a acusar Barroso de mentir em outro ponto do discurso, e ainda emendou: “E eles convidaram as Forças Armadas a participar do processo. Será que ele se esqueceu que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Jair Messias Bolsonaro?”

Bolsonaro se referia ao fato de Barroso, enquanto presidente do TSE, ter convidado as Forças Armadas em 2021 para integrar a comissão de transparência das eleições deste ano.

 
Apoio a Daniel Silveira

A cerimônia no Planalto foi convocada após outra afronta recente de Bolsonaro ao Supremo: a concessão de indulto ao deputado Daniel Silveira, condenado na semana passada pelo plenário da Corte a 8 anos e 9 meses de prisão por ameaças às instituições democráticas do país. Menos de 24 horas depois, Bolsonaro editou um decreto perdoando Silveira e livrando-o de cumprir a pena.

Presente no evento em Brasília, o deputado exibiu um quadro com o decreto do indulto, em uma moldura verde e amarela. Questionado se ele se candidataria nas eleições deste ano, Silveira voltou a ser afrontoso com o STF: “Pela lei, nada me impede. Só se alguém tiver uma imaginação muito fértil para tentar me tirar isso. Pela lei, não.”

Nesta semana, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, relator do processo contra Silveira, afirmou que o deputado continua inelegível após a condenação pelo STF, apesar do perdão concedido por Bolsonaro.

O presidente, por sua vez, afirmou que foi alertado de que poderia ter “problemas com o Supremo” caso perdoasse Silveira, mas disse que não pode “acreditar em retaliações”. “Temos ações graves que tramitam no Supremo”, alegou.

Estratégia de desgaste

Promover ataques ao Supremo integra o roteiro de líderes de extrema direita em todo o mundo. Nas democracias modernas, as Cortes supremas são responsáveis por limitar a atuação do Executivo quando este age fora da Constituição. Líderes que buscam minar instituições democráticas tentam desgastar as Cortes para alcançar esse objetivo.

Nos governos brasileiros pós-redemocratização, era comum ouvir de presidentes de variados matizes ideológicos o mantra de que “decisão do Supremo não se discute, se cumpre”, reafirmando esse princípio básico das democracias constitucionais. Sob Bolsonaro, essa premissa foi deixada de lado.

Os ataques de Bolsonaro ao Supremo não são novos, e chegaram a delinear crises institucionais durante a pandemia, quando o presidente se irritou com decisões da Corte que reconheciam a autoridade de municípios e estados para definir medidas de controle da pandemia – que iam na direção contrária da orientação do governo federal, contra as medidas de isolamento social.

O conflito aberto de Bolsonaro com o Supremo também é útil para o presidente mobilizar sua base radical de apoiadores no ano eleitoral. (Com agências de notícias)

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