A morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, durante abordagem policial na cidade de Umbaúba, na região sul de Sergipe, gerou indignação por parte de políticos, ativistas de direitos humanos e da sociedade civil.
Genivaldo, que fazia tratamento para esquizofrenia, morreu na tarde de quarta-feira (25) após ser trancado no porta-malas de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF), onde os agentes acionaram uma bomba de gás lacrimogêneo.
O laudo do Instituto Médico-Legal (IML) afirma que Genivaldo morreu por insuficiência respiratória aguda provocada por asfixia mecânica, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Sergipe.
“Foi identificado de forma preliminar que a vítima teve como causa mortis insuficiência aguda secundária a asfixia. A asfixia mecânica é quando ocorre alguma obstrução ao fluxo de ar entre o meio externo e os pulmões”, destaca o laudo.
No boletim de ocorrência do incidente, os agentes da PRF afirmaram que a morte ocorreu “possivelmente devido a um mal súbito”.
O ministro da Justiça, Anderson Torres, se pronunciou sobre o caso, dizendo ter ordenado que a Polícia Federal e a PRF investiguem a morte.
“Determinei a abertura de investigações pela Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal sobre a abordagem policial de ontem, em Sergipe. Nosso objetivo é esclarecer o episódio com a brevidade que o caso requer”, disse o ministro nesta quinta-feira.
No mesmo dia, a PRF informou que decidiu afastar das atividades de policiamento os agentes envolvidos na ação e instaurou processo disciplinar para esclarecer o incidente.
“A Polícia Rodoviária Federal informa que está comprometida com a apuração inequívoca das circunstâncias relativas à ocorrência no estado de Sergipe, colaborando com as autoridades responsáveis pela investigação”, afirmou a corporação em nota.
A justificativa da PRF é torpe e sugere que os integrantes da corporação, apostando na impunidade, agem com base nos discursos criminosos e descabidos do presidente Jair Bolsonaro, que na terça-feira (24) cumprimento os policiais – PM do Rio de Janeiro e PRF – que comandaram uma matança na Vila Cruzeiro, na zona norte da capital fluminense. A ação policial resultou na morte de 23 pessoas, sendo que 11 delas não tinham antecedentes criminais ou respondiam a ação penal.
Estado criminoso
Genivaldo foi parado pelos agentes da PRF por dirigir uma motocicleta sem usar capacete, o que é obrigatório segundo as leis de trânsito vigentes. Em que pese o fato de a prática ser proibida, a truculência da abordagem é injustificável, principalmente porque foram adotadas práticas de um Estado criminoso, no caso comandado por Bolsonaro.
Por outro lado, reza a Constituição em seu artigo 5º (caput) que “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. Em muitas “motociatas”, ilegais eventos de campanha, o presidente da República não usou o equipamento de segurança, mas nenhum policial ousou incomodá-lo por causa da infração.
Bolsonaro é um descontrolado que chafurda na vala da delinquência intelectual e não mede as consequências dos seus atos e declarações. Ao não usar capacete nas “motociatas”, Bolsonaro passa a mensagem de que o equipamento de segurança é desnecessário. Aliás, o presidente já defendeu que a obrigação do uso do capacete seja abolida.
Por outro lado, ao comemorar a matança na Vila Cruzeiro, com direito a cumprimento aos policiais que participaram da criminosa operação, Bolsonaro deixa a mensagem de que matar a esmo é permitido em um país que está se transformando em terra sem lei. Não por acaso, o presidente da República insiste na absurda tese do excludente de ilicitude, que permite aos policiais se transformarem em executores, como se vivêssemos sob a tutela do ditador Kim Jong-un.
A desfaçatez de Jair Bolsonaro é tamanha, que, ao ser questionado sobre o caso, ousou dizer que precisaria se inteirar do que aconteceu em Sergipe. A morte de Genivaldo de Jesus teve grande repercussão e foi manchete em diversos veículos de imprensa internacionais.
Imagens chocantes
Um vídeo feito por moradores mostra quatro policiais rodoviários federais usando força para dominar Genivaldo de Jesus, trancado ainda vivo no porta-malas da viatura. Fumaça da bomba de gás lacrimogêneo é vista saindo da viatura. Os pés da vítima estão para fora do carro, enquanto os agentes seguram a porta traseira para manter a vítima dentro da viatura.
De acordo com a versão das autoridades, Genivaldo “resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe da PRF”. Devido à “agressividade” do homem, os agentes teriam empregado “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção”.
Contudo, pessoas que acompanharam na abordagem policial afirmam que Genivaldo havia cumprido as ordens dos policiais. Os agentes também teriam sido alertados para os problemas psiquiátricos do homem.
Na manhã de quinta-feira, moradores de Umbaúba realizaram um protesto contra a morte de Genivaldo, erguendo cartazes com frases como “esse crime não pode ficar impune”. Pneus foram queimados e algumas vias, interditadas.
Reações
“Um homem negro foi morto asfixiado em uma viatura da Polícia Rodoviária Federal, na cidade de Umbaúba, em Sergipe. Os agentes transformaram o carro em uma câmara de gás. Violência, crueldade, racismo! Os responsáveis têm que responder por esse crime bárbaro”, afirmou a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) em redes sociais, acrescentando que vai acionar o Ministério Público Federal (MPF) por uma “investigação rigorosa”.
O deputado federal Padre João (PT-MG), membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, chamou a morte de “barbárie” e fez referência ao nazismo ao também mencionar uma câmara de gás. “Agentes da Polícia Federal usam método nazista e matam Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em câmara de gás da viatura, em Sergipe. Que haja justiça. Isto não pode ficar assim.”
Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST) e pré-candidato a deputado federal pelo Psol, descreveu a morte de Genivaldo como “uma das cenas mais bárbaras do Brasil bolsonarista”.
“Transformaram a viatura numa câmara de gás. Ainda é possível que sejam elogiados pelo presidente, como os policiais da chacina no Rio. Esses assassinos sádicos têm que ser presos. Minha solidariedade aos familiares de Genivaldo”, escreveu o ex-candidato à Presidência.
Já a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) afirmou que “a violência policial sistemática contra negros já passou dos limites: Genivaldo não foi o primeiro, mas deveria ser o último”.
A vereadora Erika Hilton (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de São Paulo e pré-candidata a deputada federal, denunciou que as “forças de segurança pública se tornaram agentes da morte no Brasil”. “É preciso se revoltar contra esta política de extermínio da população preta e periférica!”, acrescentou.
Hilton e a vereadora Linda Brasil (Psol), de Aracaju (SE), enviaram um apelo urgente ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU pedindo que o órgão acompanhe as investigações do caso no Brasil e garanta a independência dos inquéritos.
Já o Instituto Marielle Franco informou ter enviado um ofício à Procuradoria da República em Sergipe “solicitando providências urgentes no procedimento investigativo” do caso.
“Um homem negro jogado em um porta-malas e asfixiado até a morte. O ano é 2022 e o Estado é responsável por torturar e assassinar mais um corpo negro. O governo de Sergipe tem que agir imediatamente para uma responsabilização séria e imediata!”, disse o instituto no Twitter, onde compartilhou um vídeo de protestos em Umbaúba contra o assassinato.
A Coalizão Negra por Direitos também denunciou o aspecto racista do crime em Sergipe. “É aterrorizante e inadmissível agentes do Estado asfixiarem um homem negro e o trancarem em um porta-malas, como aconteceu em Sergipe. Mais uma vez o Estado racista é o responsável por um corpo negro torturado e assassinado.”
O advogado Thiago Amparo, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV-SP, chamou de “cinismo macabro” o fato de a PRF ter reconhecido o uso de gás lacrimogêneo na viatura, mas apontar que a morte ocorreu por mal súbito.
Vários artistas também compartilharam mensagens indignadas nas redes sociais pedindo justiça por Genivaldo. Para a atriz Camila Pitanga, “não foi fatalidade, foi execução”.
“Policiais rodoviários federais imobilizaram um homem que portava apenas seus remédios para transtorno mental e em decorrência de toda violência sofrida, ele morreu”, disse em rede social. “A polícia protege a quem? A custo de quantas vidas inocentes?”
O ator Fabio Assunção também se pronunciou, afirmando no Twitter que Genivaldo foi “assassinado pela PRF”: “Foi ofendido, jogado no chão, com a já habitual imobilização racista – joelho-no-pescoço. Imobilizado e jogado no porta-malas da viatura. Fecharam a porta com suas pernas para fora e então foi exposto a um gás que o matou. Asfixiaram ele. Assim, a céu aberto.”