Suspenso pelo STF, piso da enfermagem precisa se adequar à realidade econômica de estados e municípios

 
A forma como o Congresso Nacional lida com as leis, em especial a Constituição Federal, coloca a democracia em risco e compromete o futuro do País. Em ano eleitoral aumenta o atentado contra o conjunto legal vigente. O escárnio torna-se ainda maior quando considerado que o Congresso supostamente abriga legisladores ou cidadãos dispostos a tal.

O mais recente ato de irresponsabilidade dos legisladores diz respeito à aprovação do piso nacional da enfermagem, que estabelece os valores mínimos a serem pagos aos profissionais do setor, tanto no serviço público de saúde quanto no privado.

A aprovação da medida foi meramente eleitoreira, mas acabou suspensa por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que em breve deve reunir-se com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para busca uma solução de consenso.

A decisão do ministro do STF atende a um pedido da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Serviços (CNSaúde), para quem a lei é “inexequível” por desconsiderar desigualdades regionais e criar distorção salarial em relação aos médicos, além de impulsionar o desemprego no setor da enfermagem.

Barroso fixou prazo de 60 dias para que os governos federal, estaduais e municipais informem os impactos que o texto traz para a situação financeira de cidades e estados, a empregabilidade dos enfermeiros e a qualidade do serviço de saúde.

O Parlamento brasileiro se transformou ao longo dos anos, à sombra do oportunismo barato e da corrupção que brota do chamado “presidencialismo de coalizão”, em uma espécie de fábrica de leis absurdas e impossíveis de serem cumpridas.

Não se trata de deixar de reconhecer a importância dos profissionais de enfermagem, que atuaram como guerreiros durante a pandemia do novo coronavírus, mas é preciso que os políticos e a população abram os olhos para a realidade, interpretando-a da maneira adequada.

Longe dos grandes centros, centenas de municípios brasileiros não têm recursos para cumprir aumentos salariais aprovados à toque de caixa pelo Congresso. Aliás, muitas gestões municipais sequer conseguem pagar os salários dos servidores.

É importante destacar que para cumprir o piso salarial da enfermagem muitas prefeituras realocarão recursos de outros setores para não incorrer em crime de responsabilidade fiscal. Isso significa que os munícipes enfrentarão dificuldades no atendimento em serviços públicos.

Tanto é assim, que o ministro Barroso destacou em sua decisão: “No fundo, afigura-se plausível o argumento de que o Legislativo aprovou o projeto e o Executivo o sancionou sem cuidarem das providências que viabilizariam a sua execução, como, por exemplo, o aumento da tabela de reembolso do SUS à rede conveniada. Nessa hipótese, teriam querido ter o bônus da benesse sem o ônus do aumento das próprias despesas, terceirizando a conta”.

 
Paralisação da categoria

O Fórum Nacional da Enfermagem, que reúne entidades como a Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), anunciou que analisará a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, mas não descarta uma paralisação da categoria.

É necessário destacar que a liminar concedida pelo ministro Barroso não questiona a constitucionalidade da lei que estabeleceu o piso salarial da enfermagem, mas a fonte dos recursos para bancar os salários no setor público de saúde.

A lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 4 de agosto, durante cerimônia no Palácio do Planalto, sem que o chefe do Executivo se preocupasse com a fonte de custeio, pois o objetivo era atender aos seus interesses eleitorais.

Uma greve dos profissionais de enfermagem servirá apenas para piorar o já péssimo atendimento na rede pública de saúde. Como citado anteriormente, ou o governo federal reajusta a tabela do SUS, ou a saúde pública irá pelos ares em pouco tempo.

PEC Kamikaze e ICMS sobre combustíveis

A PEC Kamikaze, que turbinou temporariamente o valor do Auxílio Brasil e criou benefícios pontuais válidos até 31 de dezembro, é inconstitucional e fere frontalmente a legislação eleitoral. Mesmo assim, com o Centrão alugando apoio ao presidente Jair Bolsonaro, Congresso aprovou a absurda proposta de emenda à Constituição, como se normal fosse um Parlamento dar as costas à lei. Não se trata de ignorar as necessidades de boa parte da população, mas de se respeitar as leis.

Avaliação idêntica serve para a proposta que limitou o ICMS incidente sobre os combustíveis. A PEC dos Combustíveis é inconstitucional e ignora o “Pacto Federativo”. Qualquer assunto relacionado ao ICMS é de competência dos governos estaduais, não cabendo ao governo federal decidir sobre tema que não é da sua alçada.

O STF deveria decretar a inconstitucionalidade de ambas as propostas aprovadas pelo Congresso Nacional, mas isso não acontecerá porque uma decisão de acordo com a lei aumentaria o caos social. Quando os Poderes constituídos não podem exercer suas funções de forma plena é porque a ditadura está em marcha disfarçada.


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