Entre derrotados e vencedores

(*) Gisele Leite

Enfim, no domingo deu-se o veredicto final quanto ao segundo turno da eleição brasileira a Presidência da República. Ledo engano, se você acreditava que as polêmicas, fake news e demais ruídos cessariam.

A história contemporânea trouxe à baila acontecimentos políticos que interagiram diretamente com as pautas internacionais. Foi tardiamente, em 1889 com o advento da Proclamação da República realizada por um militar monarquista e, em seguida com a Constituição Federal de 1891 que o Brasil finalmente deixou de ser a única e derradeira monarquia das Américas.

E, logo ao instaurar o regime federativo, ao contrário de toda tradição centralizadora da república francesa e portuguesa, o Brasil se “americanizou” definitivamente.

Enfim, no domingo, em 30 de outubro do corrente ano, a eleição registrou que o país possui o quarto maior colégio eleitoral do mundo e trouxe impactos no cenário internacional. O historiador Adam Tooze divulgou o conceito que define a ocorrência simultânea de crises sistêmicas que traduzem em instabilidade financeira, entraves ao comércio internacional, implicações da pandemia de Covid-19, a degradação do meio ambiente, a instabilidade climática, a erosão de regimes democráticos e a guerra na Europa sob iminente ameaça nuclear, o que traz vigoroso impacto no equilíbrio social e natural do planeta.

Horas depois da vitória de Lula, afluíram mensagens de congratulações enviadas por dezenas de governantes de países dos cinco continentes, incluindo os dirigentes da União Europeia, que explicitaram a centralidade da questão climática.

Logo depois do anúncio do resultado da eleição, o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, saudou a “tremenda vitória” de Lula, acrescentando que deseja colaborar com o novo presidente brasileiro na preservação do meio ambiente planetário.

Annalena Baerbock, ministra do exterior da Alemanha, foi mais enfática, declarando, sem menção aparente a Lula, que havia dois grandes vencedores no domingo à noite: a democracia brasileira e o “clima mundial”.

O referido clima aparece aqui como um princípio tão transcendente quanto o tema da “paz mundial”, nos documentos oficiais do pós-guerra.

O histórico dos incidentes entre o governo Bolsonaro e o Fundo Amazônia, financiado pela Alemanha e, mais ainda, pela Noruega, constitui um bom exemplo dos custos que a política bolsonarista impôs ao país.

Já no plano diplomático, o desmatamento e o incidente com o Inpe levaram os governos da Noruega e da Alemanha a suspender o financiamento do Fundo Amazônia. Pouco depois da confirmação da eleição de Lula, houve uma inversão de expectativas. O ministro norueguês do Meio Ambiente confirmou que seu governo irá reativar o Fundo.

Em meio a tamanha perplexidade dos analistas, dos equívocos dos institutos de pesquisa, das notícias alarmantes a respeito de milhões de fake news inundando os celulares brasileiros na véspera da eleição de domingo, a maioria do eleitorado popular manteve autonomia política e consciência cidadã.

Entretanto, uma evidência se impõe: a união dos conservadores e da extrema direita sofreu uma derrota, mas os eleitores progressistas e os republicanos, infelizmente, não são vencedores.

O país dividido e não pacificado prossegue em hordas desconexas e, a normalidade institucional e democrática virou o maior desafio histórico do Brasil contemporâneo. Enfim, entre derrotados e vencedores jaz o pobre povo brasileiro perplexo, abandonado e negligenciado.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

As informações e opiniões contidas no texto são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo obrigatoriamente o pensamento e a linha editorial deste site de notícias.


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