(*) Waldir Maranhão
20 de novembro, Dia da Consciência Negra, dia de exaltar a figura e a luta de Zumbi dos Palmares, morto por bandeirantes em 1695. Neste 20 de novembro devemos refletir ainda mais sobre a luta dos negros contra a opressão da elite branca.
Devemos voltar no tempo, alguns séculos, e relembrar a tragédia humana que foi a escravidão, quando na África pessoas eram sequestradas para servirem como escravos ao senhorio. Naquele tempo instituiu-se uma linha divisória, não imaginária, entre a casa grande e a senzala.
Essa divisão perdura até os dias de hoje, sem que a sociedade perceba o absurdo que alimenta. Dos 214 milhões de brasileiros (dado de 2021), 56% são negros, ou seja, a maioria. Por outro lado, os negros são abandonados à própria sorte pelo Estado, como se fossem uma segunda classe.
Negros (pretos e pardos) enfrentam dificuldades para acessar o que a Constituição garante como direito de todos – educação, saúde, transporte. No quesito segurança, os negros são o alvo preferencial da polícia, pois persiste a relação absurda entre a cor da pele e o crime.
Muitas vezes, talvez na maioria delas, a apuração de crimes cometidos pelo Estado contra os negros fica para as calendas. Em 322 municípios brasileiros, todas as vítimas da polícia são negras. Resumindo, há uma seletividade racial na hora de combater o crime.
No Judiciário, apenas 18% dos magistrados são negros, apesar de serem a maioria da população brasileira, como mencionei acima.
No campo profissional, aos negros são destinados os trabalhos menos qualificados, fruto da dificuldade de acesso ao ensino de qualidade.
Na política a situação não é diferente. Basta radiografar o Congresso Nacional para concluir que as Casas legislativas que em tese representam o povo (Câmara dos Deputados) e os Estados (Senado) não tem maioria de negros.
O negro que chega à política e usa o mandato eletivo para lutar pelos direitos dos seus iguais corre o risco de ser eliminado. Basta ver o que aconteceu com a vereadora Marielle Franco, covarde e brutalmente assassinada por criminosos brancos, que agiram a mando de brancos que estão no poder a não querem ser incomodados.
Há no Brasil o que se chama de racismo estrutural. É inimaginável viver em um país com maioria negra e a minoria branca cultuando o racismo. Dá a impressão de estarmos vivendo na África do Sul do Apartheid. Alguém precisa agir para que não precisemos recorrer a uma versão nacional de Nelson Mandela.
O racismo campeia no Brasil de tal forma, que a criação da Lei de Cotas para ingresso nas universidades foi necessária para conter as disparidades no acesso ao ensino superior. Importantíssima, volto a frisar, a Lei de Cotas é prova maior da existência do racismo estrutural no Brasil. Mesmo assim, tramitam no Legislativo dezenas de propostas para reduzir o direito dos negros no âmbito da Lei de Cotas.
De nada adianta adotar um discurso social e racialmente correto, em defesa dos negros, para provar que não é racista. É preciso ir além, muito além, posicionar-se firmemente, de maneira contínua, contra o racismo. Todos devem ser intransigentes com atitudes racistas, pois do contrário continuaremos em um cenário de discriminação criminosa.
Diz a lenda que o exemplo vem de cima. Se isso é verdade não posso garantir, mas no campo da política o exemplo é o pior possível. Em eleições passadas, alguns candidatos ousaram se autodeclarar negros como forma de ter facilidades na obtenção de recursos de campanha.
Nas eleições de 2022, o número de autodeclarados negros deu um salto impressionante. Quem era branco na eleição passada, na deste ano tornou-se negro como se a cor da pele mudasse à sombra de um passe de mágica.
Para se ter ideia da extensão do absurdo, os eleitores brasileiros elegeram neste ano 517 parlamentares que se declararam negros, o que representa 32,3% dos deputados federais, estaduais e senadores que assumirão os mandatos em 2023. Porém, nem todos esses políticos são considerados negros pela população. Metade não é de negros.
Casos de brancos que se autodeclararam negros por meros interesses eleitorais ganharam as redes sociais, mas a repercussão foi pontual, ficando para depois o combate ao escárnio. Passadas as eleições, ninguém mais se lembra do assunto.
A minha terra natal, o Maranhão, foi o terceiro estado brasileiro que mais elegeu deputados federais autodeclarados negros. Estamos diante de uma asquerosa apropriação racial com o objetivo de contemplar interesses políticos.
O combate ao racismo não pode ser resumido a um só dia do ano, é preciso que essa luta seja diária e constante. Se hoje comemoramos o Dia da Consciência Negra, o restante do ano é marcado pela falta de consciência dos brancos, sem contar a intolerância e o preconceito. É preciso dar um basta!
(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.
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