Morre aos 94 anos o escritor tcheco Milan Kundera

 
Nadine Wojcik, Deutsche Welle

O escritor tcheco Milan Kundera morreu nesta terça-feira aos 94 anos, informou nesta quarta-feira (12) a emissora pública Czech Television.

“Infelizmente, posso confirmar que o Sr. Milan Kundera morreu (…) após uma longa doença”, disse à agência de notícias AFP Anna Mrazova, porta-voz da Biblioteca Milan Kundera, em sua cidade natal, Brno.

O premiado autor ficou conhecido por romances que escrutinam os pensamentos, sentimentos e crenças do indivíduo, assim como sexo e relacionamentos.

Em sua obra-prima, “A Insustentável Leveza do Ser”, Kundera contou a história de um triângulo amoroso tendo como pano de fundo a Primavera de Praga. O épico transformou Kundera em uma estrela literária internacional ao ser publicado em 1984.

Na época, o romancista dissidente tcheco vivia exilado em Paris havia quase uma década. Seus livros foram proibidos na Tchecoslováquia e, depois que o governo apoiado pelos soviéticos o privou da cidadania em 1978, ele continuou sendo o escritor exilado mais famoso do país.

Após a Revolução de Veludo, a queda da Cortina de Ferro e a criação da República Tcheca, o escritor nunca mais voltou a viver na sua terra natal. “Não existe esse sonho de retorno”, disse ele certa vez em entrevista ao semanário alemão Die Zeit. “Levei minha Praga comigo; o cheiro, o sabor, a língua, a paisagem, a cultura.”

Os romances de Kundera começaram a ser publicados na língua tcheca a partir da década de 1990, mas “A Insustentável Leveza do Ser” não foi lançado em sua terra natal até 2006.

 
Influência socialista

Nascido em 1º de abril de 1929 em Brno, Tchecoslováquia, Milan Kundera não foi apenas influenciado pela cultura tcheca, mas ainda mais por construir uma carreira de escritor em plena era socialista.

Ao terminar o ensino médio, ele se juntou com entusiasmo ao Partido Comunista em 1948; dois anos depois, foi expulso por causa de “pensamento hostil e tendências individualistas”. Isso teve consequências: Kundera teve que interromper os estudos na Academia de Cinema, quando tinha apenas começado a estudar música e literatura.

A estreia como escritor foi em 1953 com a coleção de poesia “Man: A Wide Garden”. Nela, ele tratou do realismo socialista, embora de uma perspectiva comunista. Mais tarde, voltou ao Partido Comunista – de onde foi expulso mais uma vez. Foi uma relação difícil. As “tendências individualistas” de que o PC o acusava quando foi expulso pela primeira vez tornaram-se um ponto de discórdia na década de 1960. Kundera escreveu histórias de humor e em 1967 foi publicado seu primeiro romance, “A brincadeira”.

Após a violenta repressão da Primavera de Praga em 1968, criticada por ele, o autor tornou-se persona non grata. Como defensor do comunismo reformista, foi expulso da Associação de Escritores em 1969 e novamente do partido em 1970; suas atividades docentes na Academia de Cinema foram suspensas, suas peças foram retiradas do repertório, suas publicações foram proibidas e seus livros foram retirados das livrarias.

Exílio na França

Kundera continuou a escrever apesar dos censores. Ele dialogou com seu passado comunista em “A vida está em outro lugar” (1973) e em “A valsa do adeus” (1972). O autor sabia que essas obras não seriam publicadas na Tchecoslováquia. Em vez disso, elas estrearam na França, país que lhe ofereceu refúgio em 1975 e um contrato como professor em Rennes e depois em Paris.

De sua vida no exílio, Kundera continuou a impulsionar seus temas literários, continuando a usar um pano de fundo tchecoslovaco para suas obras. Como já havia sido expulso do país com a publicação de “O livro do riso e do esquecimento”, em 1978, restou à direção socialista de sua terra natal apenas a possibilidade de cassar a cidadania do escritor.

Em 1984, Kundera publicou “A insustentável leveza do ser”; livro que chegou às listas dos mais vendidos em todo o planeta e fez do escritor uma estrela. O romance foi posteriormente adaptado para um filme de sucesso, com Juliette Binoche e Daniel Day Lewis nos papéis principais.

Era o livro certo na hora certa.

Embora seus trabalhos posteriores como “A imortalidade” (1990) também tenham chamado a atenção, seu sucesso não foi tão grande. Alguns críticos literários consideraram esses romances muito filosóficos e ensaísticos; outros elogiaram o autor como um moralista pioneiro, um crítico da civilização da Europa Ocidental e do pós-modernismo.

 
Traidor?

Mais uma vez, o socialismo alcançou o escritor em 2008, quando foi lançada a acusação de que Kundera havia traído um membro da oposição em 1950, que acabou ficando por vários anos em um campo de trabalhos forçados. Um protocolo da polícia secreta tcheca supostamente fornecia provas.

Mas teria sido realmente Kundera quem fez a afirmação? Ou alguém se fez passar por Milan Kundera? “Estou completamente surpreso com algo que não esperava, algo sobre o qual nem sabia até ontem, algo que não aconteceu”, disse o escritor a uma agência de notícias tcheca. De fato, faltava sua assinatura no documento.

Kundera parou de comentar publicamente sobre seu passado e viajaria incógnito para a República Tcheca para visitar amigos. Como um ato de reconciliação, o ex-primeiro-ministro tcheco Andrej Babis devolveu a ele em 2019 a cidadania tcheca.

Livro derradeiro

Em 2014, após uma pausa de uma década, Kundera publicou um novo romance, “A festa da insignificância”. Nele, quatro homens passeiam por Paris, contando — no conhecido estilo humorístico e trágico de Kundera — sobre obstáculos pessoais.

O tão esperado livro foi um sucesso em toda a Europa, embora os críticos tenham ficado divididos. Alguns elogiaram o romance como uma “obra-prima”, enquanto outros falaram em uma obra chata, sem graça, de um autor senil. Assim como “A Insustentável Leveza do Ser”, ele abordou alguns de seus temas preferidos: sexualidade, filosofia, com personagens refletindo sobre a ironia e a insignificância da vida.


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