Episódio em Roma: só um detalhe

(*) Regina Helena Paiva Ramos

Ofender e agredir fisicamente é estupidez, falta de educação, coisa de brucutu. Estou falando do episódio no aeroporto de Roma, quando três brasileiros agrediram com alcunhas de “comunista” e “bandido” um ministro do Supremo Tribunal Federal e um deles deu um tapa no filho do ministro. Agressões não têm sentido, a não ser para os muito empedernidos. Mas, eu não seria eu mesma se, ao encontrar alguma excelência do Supremo, dentro ou fora do país, não dissesse a ele, tendo oportunidade, o que penso da figura.

Não são, as atuais excelências, pessoas de quem se goste e isso pelos gestos, falas, aparências, hábitos, entrevistas, fotos e sentenças.

Sou do tempo em que ministros do Supremo eram tratados com fidalguia e reverência, mas elas, as excelências de então, se davam ao respeito, não apareciam todos os dias na mídia, eram discretos, calados, sensíveis à importância do cargo. Entrevistas? Apenas sobre grandes temas jurídicos, nunca sobre sentenças – “o juiz fala, apenas, nos autos”. Além de notável saber jurídico eram escritores, alguns até poetas, professores universitários, tinham ocupado importantes cargos no governo. Principalmente discretos e comedidos. Apareciam na mídia quando eram convidados para eventos governamentais importantes ou quando davam aulas ou eram paraninfos de turmas de alunos que, por bem querer e admiração, os chamavam para tal. Não se sabia da vida privada deles e nem viajavam a torto e a direito pelo mundo. (Tem um, dessa nova geração – não que seja moço, já é passado nos anos – que vai a Lisboa, ao que parece, dia sim, dia não. É o mesmo que liberta até traficantes.)

Os do meu tempo eram figuras respeitadíssimas e jamais escorregavam em palavreado chulo ou davam entrevistas a três por dois. Verdade que a mídia, hoje, é mais atrevida, mas há sempre formas de não falar o que não se deve falar. Ou não seja necessário falar.

Alguém poderia imaginar Pedro Rodovalho Marcondes Chaves e Francisco Rezek, ou Ayres Britto e Sepúlveda Pertence dizendo “perdeu Mané”? Alguém poderia supor que Eros Grau – bem-humorado e amigo de jornalistas – resolvesse fazer ironias com Deltan Dallagnol dizendo que o ex-procurador “já pode fundar uma igreja”? Alguém imaginaria Paulo Brossard ou Carlos Velloso julgando processos em que suas esposas fossem patronas?

E os enormes prazos que decorrem e só aí o Supremo julga? Quantos anos precisaram levar para decidir que Curitiba não era o foro adequado para o julgamento de Lula? E agora não estão inocentando gente que não foi julgada apenas por Sérgio Moro, mas por outros três juízes? Vão querer que devolvam, também, os bilhões depositados na conta da Petrobrás?

O que fica pensando o povo sobre os onze “príncipes” da magistratura quando fica sabendo pelos jornais ou pelas redes sociais de seus salários, de seus carros blindados, seus seguranças, suas lagostas na hora do almoço? A plateia pagante não gosta do que lê ou vê na televisão. Além de todos esses detalhes até fake news – e muitas! – colaborando para o desprestigio da Corte. Daí que, penso, ficam os brasileiros falando como “Nego Leléu”, personagem de João Ubaldo Ribeiro em “Viva o Povo Brasileiro”: “Mas, homecreia, que justiça? Onde é que tu já ouviu falar de justiça? Justiça é uma palavra dos livros, isso é que justiça é”.

Não estou dizendo que a plateia esteja correta. Está é desarvorada com tanta foto, tanto holofote, tanta viagem, tanto disse-me-disse – como num dos últimos episódios em que um dos ministros teve que se desdizer sobre “derrotamos o bolsonarismo” e a emenda ficou bem pior que o soneto.

Felizmente não está tudo perdido. Tem gente boa no principado jurídico. Gente que faz seu dever de casa em silêncio. Alguns e mais as duas mulheres da casa, por exemplo, que se portam com dignidade.

Em geral, é preciso mais trabalho e menos holofotes. Mais trabalho e menos cara de mau – um deles, quando fala, parece que vai comer o inimigo… ops, perdão, o cidadão acusado.
A culpa, também, desse caso ocorrido em Roma é do “nós contra eles”. Os chefes das duas facções políticas do país insultam-se publicamente em manifestações públicas e nas redes sociais e esse é o gatilho para o ódio que se constata em seus apoiadores. Um ódio que já separou irmãos, desfez amizades, causou pancadaria, destruiu obras de arte e objetos históricos em Brasília e parece que não vai acabar tão cedo: os detentores das bandeiras políticas antagônicas não cessam a guerra.

Eu terminaria dizendo que é preciso, também, trabalho mais sério e focado no necessário da imprensa. Não é um espirro de ministro que dá manchete.
Quem é esta velha jornalista para dar conselhos? Mas é irresistível pedir à corte que se aproxime, no comportamento, dos velhos ministros que fizeram o Supremo ser grande e forte. E aos dois contendores da “nobreza” política (aqui é ironia, mesmo!) que, pelo amor de Deus, parem de se xingar. E feio!

Pode acontecer, se eles quiserem.

(*) Regina Helena Paiva Ramos é jornalista e escritora.

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