Senado opta pelo caminho mais fácil na segurança pública e deve aprovar o fim da “saidinha” de presos

 
O Senado Federal deve votar nesta terça-feira (20) o projeto de lei que restringe a saída temporária de presos condenados, a chamada “saidinha”. Mecanismo importante para a ressocialização dos detentos, desde que utilizado de forma adequada, a “saidinha” ganhou importância no Parlamento após a morte do policial militar Roger Dias da Cunha, de 29 anos, em janeiro deste ano, alvejado por um presidiário que estava nas ruas por causa da saída temporária de Natal.

Na esteira do crime, o projeto de lei avançou no Senado, com direito à aprovação de requerimento de urgência, ou seja, a proposta tramita diretamente no plenário, sem passar por comissões temáticas e atropelando interstícios, prazos e o próprio regimento da Casa legislativa.

Em ano de eleições, em breve teremos disputas municipais, os políticos procuram tomar decisões para ludibriar o eleitorado. Considerando que a segurança pública no País é falha por diversos motivos, proibir a “saidinha” por certo agradará a muitos setores da sociedade, mas é preciso se preocupar com a situação do detento. Sem essa preocupação a insegurança será sistêmca.

Em vez de optar pelo caminho mais fácil, que é proibir a saída temporária, o Congresso Nacional deveria se debruçar sobre os motivos que levam as “saidinhas” ao fracasso. Se problemas existem, não há como negar, é porque o sistema carcerário é falho.

Quando o Estado chama para si o direito de prender, julgar e condenar, deve assumir o ônus de recuperar o detento, algo que não acontece. Dominado por facções, o sistema carcerário transformou-se ao logo de décadas em uma usina do crime.

É importante destacar que unidades prisionais não podem funcionar como depósito de pessoas que transgrediram a lei, mas, sim, como um importante degrau para a recuperação e o retorno ao convívio social.


 
Sistema falido

A CPI do Sistema Carcerário, que funcionou na Câmara dos Deputados em 2015, perdeu a oportunidade de identificar e compreender os problemas prisionais, além de apresentar propostas para a humanização e melhoria das prisões.

O Brasil tem aproximadamente 900 mil detentos, sendo que 44,5% são presos provisórios, ou seja, estão encarcerados sem julgamento. No contraponto, o sistema carcerário nacional dispõe de 460 mil vagas. Em outras palavras, a superlotação é inegável, os presídios são depósitos de gente.

Não obstante, 62% das mortes em presídios ocorrem por causa de doenças. Segundo Mariana Scaff Haddad Bartos, pesquisadora do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, a condição de vida dos presos no Brasil está diretamente ligada a um sistema que exclui, perpetua vulnerabilidades e viola o exercício de direitos — inclusive o direito à saúde.

Divulgado em 2022, levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou que a chance de um presidiário contrair tuberculose, por exemplo, é 30 vezes maior do que a de um não encarcerado. Além disso, o risco de morte por enfraquecimento extremo é 1.350% maior para os detentos. Para a pesquisadora, esses dados podem ser explicados pelas condições insalubres que são oferecidas e pela superlotação das celas, que impactam diretamente a transmissão de doenças.

Tal cenário demonstra que o Estado ignora a legislação vigente, pois não se pode manter uma pessoa presa por tempo indeterminado. Quando decisões judiciais – são poucas – colocam em liberdade presos sem julgamento, mesmo no caso de criminosos perigosos, a sociedade e a extrema direita entram em frenesi. Vale ressaltar que, além do direito a julgamento e à ampla defesa, prevalece a máxima jurídica de que processo não tem capa.


 
Humanização dos presídios

É importante que as autoridades adotem as medidas necessárias para a humanização dos presídios e procurem compreender os motivos da reincidência criminal. A reincidência se dá, na maioria das vezes, pela não recuperação do preso, que ao reconquistar a liberdade não consegue alcançar a reinserção social. Esse quadro faz com que o ex-detento, de forma inconsciente, seja induzido ao cometimento de um novo crime, preferencialmente semelhante ao anterior, para retornar a um universo intramuros que passou a chamar de seu.

O editor do UCHO.INFO fez um longo trabalho junto a juristas, psiquiatras forenses e autoridades judiciais e policiais para compreender o fenômeno da reincidência. Esse movimento resultou em um projeto que foi aplicado ao longo de dois anos na extinta Penitenciária Feminina do Tatuapé, na zona leste da capital paulista, com o objetivo de resgatar a dignidade feminina no cárcere. O resultado, surpreendente, é que três outrora internas conseguiram deixar o mundo do tráfico de entorpecentes.

Pois bem, se uma pessoa comum, sem o aparato e os recursos estatais, consegue tirar três mulheres do tráfico de drogas, o Estado tem capacidade e o dever de repetir a fórmula em progressão geométrica.

Como citado acima, a humanização dos presídios é algo necessário e urgente, pois em algum momento o Estado será alvo de uma avalanche de ações indenizatórias, pois é sua responsabilidade manter a integridade do preso sob sua custódia. Quando as famílias dos presos mortos no âmbito do sistema carcerário cobrarem do Estado as devidas indenizações, algo absolutamente cabível em termos jurídicos, talvez as autoridades comecem a dar a devida atenção ao tema.

Durante a CPI do Sistema Carcerário, o editor colocou-se à disposição dos parlamentares para colaborar no intuito de fornecer detalhes sobre o processo de recuperação dos presos e as causas da reincidência. Preferiram ignorar a oferta. Agora, em Brasília, os políticos optam pelo caminho mais fácil e pouco inteligente: acabar com as “saidinhas”.

Não se pode ignorar o fato de que uma condenação com privação de liberdade não tira do indivíduo a condição de cidadania. Com base nesse entendimento e nas leis vigentes, em especial na Constituição Federal de 1988, o editor iniciou um movimento que, após árdua batalha, concedeu aos presos com sentença sem trânsito em julgado (não definitiva) o direito de votar pela primeira vez nas eleições de 2010.


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