(*) Ucho Haddad
Quando a turba incomodada com os meus escritos me atacou covardemente, acusando-me de ser falso jornalista pelo fato de não ser diplomado, alegaram que por não ter esquentado o banco da faculdade desconhecia os princípios básicos do jornalismo, começando pela visão sociológica do fato. Não tenho culpa se tenho certa intimidade com a pena, assim como culpa não tenho de ser filho de pessoas que me ensinaram desde cedo a respeitar o próximo.
Que ninguém venha fazer barulho e arruaça debaixo da minha janela, pois minha resposta será sempre com palavras escritas. Essa é a minha melhor e mais eficaz arma. Hoje, os detratores de então se deleitam com o que escrevo, pois exerço o ofício de jornalista com base na verdade dos fatos, na análise balizada e coerente, no bom-senso, sem direito a extremismos e malabarismos interpretativos. Sou contundente, jamais leviano.
Na segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024, publiquei nas redes sociais frase magistral do saudoso e genial Carlito Maia: “Podem não publicar tudo o que escrevo, mas ninguém vai me obrigar a escrever o que não penso.”
Escrevo o que penso, sem medo de ser feliz. Os incomodados que busquem outras leituras, pois não faço jornalismo de aluguel, não passo pano para corruptos, muito menos para golpistas e genocidas. Não tenho compromisso ideológico e financeiro com quem quer que seja, por isso minha pena é livre e movida pela responsabilidade.
A forma como a extensa maioria da imprensa brasileira vem tratando o genocídio na Faixa de Gaza é nauseante. Jornalistas, com canudo de faculdade e sabedores do que significa a visão sociológica do fato, ignoram ou minimizam a matança indiscriminada em Gaza, como se tirar a vida de 30 mil civis inocentes é pouca coisa. Tais profissionais da mídia falam em guerra, mas o que acontece em Gaza é extermínio de um povo que, na visão torpe de Tel Aviv, incomoda. Um sujeito invade a casa do vizinho, mata a esmo e o culpado é o invadido que reagiu por não suportar mais a opressão? Esse comportamento da imprensa causa-me engulhos, asco, repulsa.
Alguém há de dizer que o meu sobrenome explica o pensamento sobre o que ocorre em Gaza. Se há no planeta pessoas ponderadas, compreensivas e defensoras do diálogo, uma delas, entre tantos milhões, com certeza sou eu. Alguns dizem que tenho comportamento de monge, rótulo que rechaço. Só não optei pela carreira diplomática por falta de competência.
Fui casado com uma brasileira judia, tive padrinho judeu, convivo muito bem com a colônia judaica. Não tenho dificuldade de transitar em todas as tribos, apenas me afasto dos traidores, dos ingratos, dos pusilânimes. Só não aceito golfadas de hipocrisia, como as que têm dominado os últimos dias, após a declaração de Lula sobre o genocídio em Gaza.
O governo extremista de Benjamin Netanyahu tem o genocídio como política de governo, talvez esse conceito caiba para Israel, que há décadas vem dizimando os palestinos em doses homeopáticas, sem que a imprensa tenha percebido o crescimento da erva daninha.
Netanyahu, que antes do conflito com o Hamas balançava no cargo devido a processos judiciais por corrupção, suborno e abuso de poder, agora usa o massacre contra os palestinos para não ser apeado do posto. Após a declaração de Lula, conceitualmente correta na minha modesta opinião, Netanyahu acionou a máquina do governo para pasteurizar uma mentira deslavada. Alega o premiê israelense que a matança se justifica porque Israel foi atacado. Antes do ataque qual era o comportamento do governo israelense em relação aos palestinos?
O ainda chefe do governo de Israel sabe que ao fim do massacre será despejado do cargo, além de responder criminalmente por genocídio e outras barbáries, mas usa a incômoda fala de Lula para criar uma cortina de fumaça com o objetivo de desviar os olhares da opinião pública internacional, que tardiamente começa a defender um cessar-fogo.
Como já afirmei, a solução para o conflito está na criação e no reconhecimento oficial de um Estado palestino, algo que Israel não concorda. Os israelenses, ancorados na reverberação das vozes judaicas mundo afora, querem tomar conta da região como se aquelas terras tivessem um só dono.
Além do oportunismo barato a que recorre para tentar justificar o genocídio em Gaza, Israel quer para si a exclusividade da condição de vítima. Não estou a negar o fato de que milhões de judeus foram vítimas do facínora Adolf Hitler e seus criminosos pelegos, mas não se pode fechar os olhos para o que acontece no enclave palestino. Justo seria falar em guerra se o governo de Israel estivesse determinado a eliminar o Hamas e poupando os incautos. Quando dezenas de milhares de civis inocentes morrem em nome de um direito que Israel acredita ter, isso é genocídio.
Acionando a alavanca da vitimização – lembro que a condição de vítima é justa –, Israel tenta normalizar os rios de sangue de inocentes que escorrem pela Faixa de Gaza. Para tanto ousa fazer da fala de Lula uma espécie de massa de manobra, algo que não prosperará.
No Brasil, o que prevalece no entorno da polêmica da vez é a conhecida intolerância de parte da sociedade para com Lula. Alguns brasileiros judeus têm feito publicações nas redes sociais com termos como ladrão, nazista e outros quetais em referência a Lula. Não tenho político de estimação e muito menos integro o fã-clube de Lula, mas preciso ser justo e coerente também nesse momento.
Quando Jair Bolsonaro e seu amestrado rebanho açoitaram a memória das vítimas do nazismo, nenhum judeu brasileiro ousou criticar o golpista fracassado e caixeiro-viajante de joias e relógios de luxo. A desfaçatez é tamanha, que não será surpresa se a comunidade engrossar a malta que irá à Avenida Paulista no próximo domingo para avalizar o golpismo bananeiro de Bolsonaro e seus generais de pijama.
Voltando ao assunto… O que Israel insiste em fazer é tratar apenas o Holocausto como genocídio, como de fato foi, enquanto classifica a matança em Gaza como resposta necessária aos ataques dos radicais do Hamas. Pelo que sei, a radicalização dos militares israelenses que barbarizam em Gaza ultrapassa as fronteiras da desumanidade. Matar mais de 10 mil crianças inocentes não tem qualquer relação com o enfrentamento aos membros do Hamas, que só cresceu em termos políticos e de poder porque o líder da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, é subserviente a Tel Aviv e aceita passivamente o que impõem os israelenses.
Lula não ignorou ou minimizou o Holocausto, apenas limitou-se a comparar a estratégia de Hitler com a de Netanyahu. Lula nada tem contra os judeus, mas rotulou de forma acertada a política genocida de Netanyahu e seus bajuladores extremistas, que se valem da diplomacia de lupanar para implodir verdade incontestável.
Gostem ou não os judeus planeta afora, genocídio é genocídio e não há espaço para qualquer tipo de discussão a respeito. Relativizar o genocídio em Gaza é o mesmo que acreditar em mulher meio grávida, o que ainda não tive a oportunidade de encontrar. Privatizar a condição de vítima é armadilha totalitarista, devaneio da pior espécie.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, fotógrafo por devoção.
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