(*) Gisele Leite
É no Dia da Mentira, 1º de abril, que se comemora os sessenta anos do golpe militar de 1964, que instituiu uma ditadura militar que durou mais de duas décadas. A derrubada do então Presidente da República João Goulart marcava o início dos governos militares que duraram até 1985.
Desde a posse, em 1961, Goulart tinha adotado agenda popular provendo reformas sociais e econômicas profundas, bem como a nacionalização de empresas e setores estratégicos.
As propostas de reforma integravam programas capitalistas, reforçavam a pequena propriedade, potencialmente reforçariam uma nova distribuição de renda que redundaria em novo perfil para o mercado interno brasileiro. Com isso mobilizaram-se as elites civil e militar contra o então Presidente, que era acusado de ser uma suposta ameaça comunista para o país.
Afinal, não se via com bons olhos os movimentos de massa, a agenda reformista e as lideranças de esquerda. Todo o contexto da época tramou para que culminasse com a deposição de Goulart e, então, teve início o governo militar, com eleições indiretas, sendo colocado o General Humberto Castelo Branco como presidente da República.
O auge da repressão ocorreu a partir de 1969 com a implementação do famélico Ato Institucional nº 5, apesar de que a repressão propriamente dita já estava em pleno vigor. Já com o Ato Institucional nº 2 se dissiparam as ilusões dos liberais apoiadores do golpe de Estado, pois acreditavam que o governo de Castelo Branco funcionaria como mero “tampão”. Em outubro de 1965, o AI-2 instituiu eleições indiretas para presidente, dissolveu partidos políticos, suspendeu direitos políticos de opositores do regime e outras medidas.
Editado em dezembro de 1968, o AI-5 deu ao presidente da República o poder de cassar mandatos, suspender direitos políticos de qualquer pessoa, intervir em estados e municípios, suspender Habeas Corpus para crimes políticos, decretar recesso do Congresso e assumir suas funções legislativas, censurar jornais, livros, músicas e outras obras artísticas e intelectuais. Foi o auge da repressão e violência do regime militar. Ainda existe uma elite pretensamente liberal que estimula o golpismo, sob a crítica ao populismo e à irresponsabilidade fiscal da esquerda.
E, ainda expõe a velha desconfiança e criminalização dos movimentos sociais. Ainda há um clima conspiratório com culto a violência física contra opositores, como a que culminou com a morte de Marielle Franco e tantas outras lideranças populares incômodas.
Toda historiografia se refere como ditadura onde se identificou os métodos como censura, tortura, restrições aos direitos civis, desprezo pela democracia e a crença mediúnica de que a força é capaz de resolver todos os conflitos sociais e políticos.
Foi, de fato, uma ditadura, mas não apenas mantida pelos militares, mas também por civis do Judiciário, do Legislativo, imprensa e setores da universidade. Enfim, não há o que comemorar nem como endossar a cancerígena ideologia que procura legitimar a ditadura. No processo de redemocratização, veio a Lei da Anistia e a redentora Constituição Federal brasileira de 1988, os militares que agiram para que seus crimes ficassem impunes, para que seus privilégios fossem mantidos e custeados e para a tutela militar estivesse prevista no artigo 142 para a garantia da lei e da ordem (GLO) e na subordinação das polícias militares ao Exército.
Lula determinou o cancelamento de atos em memória aos sessenta anos do golpe militar. O Ministério da Justiça chegou a anunciar no ano passado, na gestão do então ministro Flávio Dino, a criação de um Museu da Memória e da Verdade, a ser inaugurado nesse 31 de março, obra que seria financiada com recursos dessa pasta, mas o projeto, até segunda ordem, não vai sair do papel. Não há nada a comemorar, ao revés, só a lamentar e se envergonhar profundamente.
(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.
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