Vazamento de mensagens mostra que Alexandre de Moraes pode ter ultrapassado o limite da legalidade

 
Reportagem publicada na terça-feira (13) pelo jornal “Folha de S.Paulo” aponta que assessores do gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes fizeram pedidos fora do rito formal para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) produzisse relatórios sobre bolsonaristas investigados nos inquéritos das “fake wews” e das milícias digitais. As mensagens teriam sido trocadas entre agosto de 2022 e maio de 2023 — período em que Moraes também era presidente do TSE.

O jornal afirma que teve acesso a diálogos no aplicativo WhatsApp que mostrariam que a assessoria de combate à desinformação do TSE foi utilizada como um braço investigativo do gabinete do ministro e que em alguns casos os alvos de investigação eram escolhidos por Moraes ou por seu juiz assessor. O jornal sustenta ainda que relatórios teriam sido ajustados quando não satisfaziam Moraes, fazendo com que fosse produzido, desta forma, texto pré-determinado para embasar sentenças, a exemplo de multa ou bloqueio de contas em redes sociais.

De acordo com a matéria da Folha, participaram da troca de mensagens o juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Airton Vieira; o juiz auxiliar de Moraes enquanto ele presidia o TSE, Marco Antônio Vargas; e o perito criminal e, na época, então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE, Eduardo Tagliaferro. A AEED era subordinada a Moraes na corte eleitoral.

O jornal afirma que teve acesso a mais de 6 gigabytes de arquivos e mensagens, com algumas delas relatando a irritação de Moraes devido à demora no atendimento das ordens.

Os dados, segundo o jornal, também mostram que Airton Vieira pedia relatórios ao TSE principalmente contra aliados de Jair Bolsonaro (PL), e esses documentos eram mandados da Justiça Eleitoral para o inquérito das “fake News”, no STF.

O jornal diz que não obteve o material por meio da atuação de hackers ou interceptação ilegal. A reportagem é assinada pelos jornalistas Fabio Serapião e Glenn Greenwald – este último, que atuou na Vaza Jato, também é um crítico da atuação de Moraes e chegou a afirmar que o STF era “a maior ameaça à democracia brasileira” um dia depois do ataque protagonizado por bolsonaristas aos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.


 
Envolvidos no caso

A reportagem mostra que o maior número de mensagens contendo pedidos informais envolveu Vieira, assessor mais próximo de Moraes no STF, e Tagliaferro, que deixou o cargo em 2023 depois de ter sido preso, suspeito de violência doméstica contra a esposa, em Caieiras, em São Paulo.

Em algumas trocas de mensagens citadas pela Folha, há menções sobre políticos, simpatizantes ou mesmo mídias de direita no Brasil, a exemplo do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o comentarista bolsonarista Rodrigo Constantino e a revista Oeste.

Em 6 de dezembro de 2022, segundo a Folha, Vieira escreveu a Tagliaferro pedindo para rever uma medida já determinada em relação à revista. Tagliaferro, porém, respondeu dizendo que não estranhou as publicações do veículo e questionou o que poderia colocar no relatório. “Use sua criatividade…”, respondeu Vieira, segundo o jornal, ao que Tagliaferro retornou: “Vou dar um jeito.”

No caso de Constantino, Moraes, segundo o jornal, pediu ajustes em relatório feito pela área de combate à desinformação no TSE. Tagliaferro (TSE) também teria mandado uma primeira versão do relatório sobre Constantino e, depois, recebeu prints de Vieira (STF) contendo postagens do jornalista e a cobrança para mudar o documento, a fim de incluir mais manifestações: conforme o jornal, o pedido partiu do próprio Moraes.

Em novembro de 2022, diálogos entre Marco Antônio Vargas e Tagliaferro apontam um pedido para relacionar Eduardo Bolsonaro com o argentino Fernando Cerimedo, que na época entrou no radar de Moraes por insinuar em lives na internet que a eleição de 2022 havia sido fraudada porque cinco modelos de urnas em que Lula (PT) teve mais votos não foram testadas.

De acordo com a Folha, em nenhum dos casos houve formalização de que os relatórios do TSE teriam sido produzidos a pedido de Moraes ou do STF.


 
Moraes rebate acusações

A Folha de São Paulo entrou em contato com o gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Em um primeiro momento, Moraes não respondeu.

Mais tarde, o gabinete do ministro enviou uma nota à imprensa afirmando “que, no curso das investigações do Inq 4781 (Fake News) e do Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à democracia e às instituições”.

A nota destaca que “os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”.

Já Tagliaferro disse que não vai se manifestar. Ele afirmou apenas que “cumpria todas as ordens que me eram dadas e não me recordo de ter cometido qualquer ilegalidade”.

Investigação sob risco

Caso fique provado que Moraes incorreu em abuso de poder, a investigação em pauta ficará comprometida e pode ser alvo de arguição de nulidade, a exemplo do que ocorreu na Operação Lava-Jato, ocasião em que o então juiz Sérgio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol ultrapassaram os limites legais.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, garante ao cidadão o direito ao devido processo legal. Fora dessa garantia a atuação do juiz torna-se ilegítima. Além disso, a Carta Magna, no mesmo artigo 5º (caput), estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Em outras palavras, recorrendo ao dito popular, “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”.

Desde a primeira edição, o UCHO.INFO alerta para o perigo que representa ultrapassar as fronteiras da lei, o que, a depender do desfecho do ato ilegal, transforma o réu em vítima do Estado. Fizemos tal alerta por ocasião das operações Castelo de Areia e Satiagraha, ambas anuladas pela Justiça, e no caso da Lava-Jato, que está em processo de implosão por conta de ilegalidades no âmbito das respectivas ações penais.


Se você chegou até aqui é porque tem interesse em jornalismo profissional, responsável e independente. Assim é o jornalismo do UCHO.INFO, que nos últimos 20 anos teve participação importante em momentos decisivos do País. Não temos preferência política ou partidária, apenas um compromisso inviolável com a ética e a verdade dos fatos. Nossas análises políticas, que compõem as matérias jornalísticas, são balizadas e certeiras. Isso é fruto da experiência de décadas do nosso editor em jornalismo político e investigativo. Além disso, nosso time de articulistas é de primeiríssima qualidade. Para seguir adiante e continuar defendendo a democracia, os direitos do cidadão e ajudando o Brasil a mudar, o UCHO.INFO precisa da sua contribuição mensal. Desse modo conseguiremos manter a independência e melhorar cada vez mais a qualidade de um jornalismo que conquistou a confiança e o respeito de muitos. Clique e contribua agora através do PayPal. É rápido e seguro! Nós, do UCHO.INFO, agradecemos por seu apoio.