M&M – Moraes versus Musk

(*) Gisele Leite

STF versus X (Twitter)

Segundo o Professor Gustavo Sampaio, da UFF, em entrevista à CNN, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes passou de juiz para ator político no embate com o empresário Elon Musk, sócio majoritário da rede social.

O referido professor ainda explicou que a concentração de processos relacionados aos inquéritos de milícias digitais, fake news e ataques às autoridades componentes do STF sob a relatoria do Ministro ocorreu devido à estrutura do Supremo Tribunal e à designação feita pelo então Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli.

Diante da postura enérgica do Ministro, tem-se avolumado as críticas e há quem cogite em quebra de impessoalidade, ou de neutralidade, da parte do Ministro Relator.

O professor também alertou sobre possíveis consequências econômicas de decisões judiciais, particularmente envolvendo a empresa Starlink, de propriedade de Elon Musk. Ressaltou que o sistema de antenas e transmissão da Starlink no país é atualmente utilizado por grande parte do agronegócio. Muitas fazendas de grande porte do Centro-Oeste coordenam suas máquinas através da dita empresa.

De modo que a interrupção de tais serviços poderão impactar relevantes setores da economia brasileira, como o agronegócio e a navegação marítima. Na visão do professor, o atual STF tem sido considerado muito ativista.

A sociedade empresária estrangeira que desejar estabelecer-se no Brasil, por intermédio de filial, sucursal, agência ou estabelecimento deve requerer autorização prévia ao Governo Federal. Para tanto, deverá observar as disposições do art. 1.134 do Código Civil e art. 1º da Instrução Normativa DREI nº 77, de 18 de março de 2020.

Após obtida a autorização de funcionamento, a sociedade estrangeira pode nacionalizar-se, ou seja, transferir sua sede para o Brasil. Neste caso, também se faz necessária a autorização prévia do Governo Federal.

Esse representante legal, que também é conhecido como procurador societário, receberá as atribuições do sócio ou acionista estrangeiro no Brasil para, em seu nome, realizar diversos atos perante entidades e autoridades públicas federais, estatais e municipais, de modo que a empresa estrangeira exerça seus direitos perante a empresa brasileira.

De acordo com o artigo 1.134 do Código Civil, a sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no país, ainda que por estabelecimentos subordinados.

Assim, geralmente, quando uma empresa se estabelece no Brasil, mesmo que seus sócios sejam todos não-brasileiros, ela será uma empresa brasileira, que terá por sócios pessoas físicas ou jurídicas não-brasileiras.

É importante, no entanto, que estes sócios, investidores aqui no Brasil, saibam que terão responsabilidades de acordo com a nossa legislação. Dentre as obrigatoriedades presentes na lei está a de nomear representante legal para que receba citações e notificações, ficando este representante obrigado a informar o representado acerca da necessidade de cumprimento do constante naquela citação.

Os advogados e contadores comumente exercem esta função de representante legal do sócio estrangeiro no Brasil. Contudo, não se pode confundir essa função com a do administrador da empresa nacional, pessoa jurídica distinta da dos seus sócios.

O representante legal dos sócios estrangeiros não precisa necessariamente ser brasileiro, mas precisa ter domicílio permanente no Brasil.

Esta pessoa, física, precisa ser localizável, pois em última análise ela será encarregada da transmissão das citações e notificações ao investidor (sócio), que continua como o responsável final pelas atividades desenvolvidas em nosso país.

Consta ainda no Código Civil Brasileiro vigente que o mandato é exercido quando alguém recebe de outra pessoa os poderes para, em seu nome, realizar atos ou administrar interesses.

Assim, a empresa estrangeira que pretenda ser sócia, de uma empresa no Brasil (ou atuar) necessitará nomear uma pessoa física, brasileira ou estrangeira, residente no Brasil, e com visto permanente, em caso de pessoa física estrangeira, para exercer os atos societários de representação da sociedade perante entidades e órgãos públicos, especialmente para receber notificações judiciais em nome da companhia.

Uma empresa estrangeira precisa ter um representante legal no Brasil por vários motivos, incluindo: Cumprimento da legislação brasileira; A representação legal é essencial para que a empresa cumpra a legislação brasileira, especialmente no que diz respeito a impostos e tributos; Proteção dos direitos da empresa.

A nomeação de um representante legal é importante para proteger os direitos da empresa estrangeira. A representação legal é crucial para garantir a segurança jurídica dos processos licitatórios e contratos da Administração Pública.

Para receber citações judiciais. O representante legal recebe citações judiciais propostas contra a empresa estrangeira.

Em (28/08/2024), o Ministro emitiu uma intimação direcionada ao bilionário Elon Musk, proprietário da X (anteriormente conhecida como Twitter), exigindo que fosse designado um representante legal no Brasil dentro de 24 (vinte e quatro) horas.

O descumprimento dessa ordem, de acordo com a notificação, poderia resultar na suspensão da rede social no país.

Em 8 de janeiro de 2023, uma multidão de apoiadores do ex-Presidente da República, insatisfeitos com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, invadiu o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, e vandalizou símbolos da República.

Após esse episódio, o STF intensificou as investigações sobre a disseminação de conteúdos falsos e o possível financiamento de grupos que ameaçam a democracia brasileira.

O Ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos que apuram a disseminação de fake news, milícias digitais e atos golpistas, ordenou o bloqueio de diversos perfis em redes sociais administrados por usuários acusados de atentar contra a democracia brasileira e o processo eleitoral.

As ordens emitidas pelo Ministro do STF geraram repercussão negativa entre parte dos apoiadores de Bolsonaro e eleitores da ala direitista da política brasileira, que alegavam que as medidas violavam o direito à liberdade de expressão.

Enquanto isso, o Ministro Moraes contou com o apoio dos demais ministros do STF, que ressaltaram que a liberdade de expressão não deve ser confundida com a permissão para desrespeitar leis ou promover ideais antidemocráticos.

Como proprietário da rede social X (Twitter), Elon Musk concordou com os apoiadores de Bolsonaro e acusou o ministro brasileiro de censura. A plataforma não retirou do ar os perfis, descumprindo as decisões do STF.

Em 15 de agosto, o Ministro Alexandre de Moraes aumentou de R$ 50 mil para R$ 200 (duzentos) mil a multa diária aplicada ao X por descumprir suas decisões. O ministro do STF havia determinado que a rede social bloqueasse o perfil do senador Marcos do Val (PL-ES) e de outros investigados.

O senador Do Val é investigado por obstruir investigações sobre as invasões de 8 de janeiro ao Supremo e Congresso Nacional.

Pouco depois, em 17 de agosto do corrente ano, a rede social anunciou, por meio de uma publicação na própria plataforma, o fechamento de seu escritório no Brasil, alegando ameaças de prisão contra a responsável pela rede no país, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, por não cumprimento de decisões judiciais. Mesmo com o encerramento das atividades administrativas, a rede social continuaria funcionando normalmente.

Em suposto despacho divulgado pelo X, Moraes teria afirmado que a representante da empresa no Brasil agiu de má-fé, tentando evitar a notificação da decisão proferida nos autos, conforme noticiado pela Agência Brasil.

Sem a localização de representantes da empresa, o ministro Moraes teria supostamente determinado a prisão da representante legal por desobediência à determinação judicial e aplicado multa diária contra a funcionária, ainda segundo o documento divulgado pelo X.

Em resposta, Moraes determinou no dia 29 de agosto do corrente ano que o X nomeasse em 24 (vinte e quatro) horas um novo representante legal no Brasil, conforme exigido pela legislação local.

A intimação foi feita por uma postagem no perfil oficial do Tribunal na própria rede social. O Ministro advertiu que, se a empresa não o fizesse, ele poderia determinar que a rede social fosse imediatamente tirada do ar.

Em site oficial, o STF afirma que ”Musk é investigado no Inquérito (INQ) 4957, que apura a suposta prática dos delitos de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.”.

Nesse inquérito, Musk é investigado pelo suposto cometimento dos crimes de obstrução à Justiça (inclusive em organização criminosa) e incitação ao crime.

A PGR quer saber dos representantes do X no Brasil se Musk determinou a publicação de postagens em perfis suspensos por determinação judicial. Outra informação necessária diz respeito a eventual reabilitação de perfil que tenha sido suspenso por ordem judicial e, em caso afirmativo, quem na empresa determinou o ato e quantos e quais perfis teriam sido reativados.

Como forma de ‘cobrar multas’ aplicadas contra a rede social X por descumprir decisão judicial, Alexandre de Moraes também decidiu bloquear as contas da empresa Starlink, de Elon Musk, no Brasil.

O processo de bloqueio no Brasil, como em casos anteriores, começa com a Anatel, que recebe uma ordem judicial do STF e a repassa às operadoras de telecomunicações.

A Anatel comunica a necessidade de cumprimento da ordem e acompanha a implementação.

O bloqueio geralmente ocorre via endereços IP, impedindo o acesso ao site. Em alguns casos, pode ser necessário reconfigurar rotas de tráfego para evitar o acesso por IPs não bloqueados.

O uso ainda poderia acontecer via VPN, já que bloqueá-las completamente seria um desafio, já que existem muitos provedores e tecnologias distintas, conforme explica o professor de Engenharia de Computação e Ciências da Computação no Insper, Rodolfo Avelino, em entrevista recente à BBC News Brasil.

No passado, decisões judiciais já barraram também o uso de VPN. Em maio de 2023, Alexandre de Moraes publicou um despacho em que ameaçava retirar o Telegram do ar por causa de uma mensagem enviada aos usuários contra o projeto de lei que ficou conhecido como PL das Fake News.

O bloqueio nunca aconteceu de fato, mas no documento o ministro do STF proibiu o uso de VPN para acessar o aplicativo caso isso acontecesse.

Entre os países que bloqueiam o acesso ao X atualmente estão China, Irã, Coreia do Norte, Rússia, Turcomenistão e Mianmar. O nível de controle à conexão à rede social varia de acordo com a nação.

O ministro acrescentou que o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) prevê, como princípio da disciplina do uso da Internet no Brasil, a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, fazendo com que a X Brasil tenha inequívoca responsabilidade civil e penal em relação à rede social X.

“Como reflexo disso, as consequências de eventual obstrução da Justiça, ou de desobediência à ordem judicial, serão suportadas pelos administradores da referida sociedade empresária”, explicou.

Na petição, a X Brasil afirmou que a rede social é operada por duas empresas: a X Corp., estabelecida nos Estados Unidos, que atende ao público norte-americano e de países não integrantes da União Europeia; e a Twitter International Company, sediada na Irlanda, que responde pelos usuários dos demais países.

Acrescentou que não tem qualquer relação com a gestão, a operacionalização e a administração do X, já que sua atividade se limita à comercialização, monetização e promoção da rede de informação, além da veiculação de materiais de publicidade na internet e de outros serviços e negócios relacionados. Mas se colocou disponível para cooperar com o encaminhamento de eventuais ordens do STF às operadoras do X.

O ministro Alexandre de Moraes considerou que o pedido feito pela X Brasil beira a litigância de má-fé, por meio de um comportamento contraditório e inesperado, especialmente porque foi apresentado depois de anos de cooperação, tanto com o STF quanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), envolvendo a instrumentalização criminosa das redes sociais no processo eleitoral e a remoção de conteúdo, “sem que a empresa jamais tenha alegado que não possui poder decisório para tanto”.

Todo e qualquer cidadão, de qualquer parte do mundo, que tem investimento no Brasil está subordinado à Constituição e às leis brasileiras”, afirmou Lula. Prosseguiu: “Não é porque o cara tem muito dinheiro que ele pode desrespeitar. Esse cidadão é um cidadão norte-americano, ele não é um cidadão do mundo. Ele não pode ficar ofendendo os presidentes, ofendendo os deputados, ofendendo o Senado, ofendendo a Câmara, ofendendo a Suprema Corte”.

Em resumo, a empresa estrangeira atuante no país precisa respeitar a legislação brasileira e ter um representante legal da empresa no país. Não nenhum exagero, nem ativismo judicial, apenas o fiel cumprimento da lei, após o devido processo legal, onde já ocorreram recursos que foram julgados improcedentes.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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