(*) Gisele Leite
As agruras das eleições municipais no Brasil deste corrente ano já apontam que existem duas direitas em disputa. Se trabalham juntas contra a esquerda, duelam entre si pela hegemonia. Segundo Celso Rocha de Barros há a “direita-redes” e a “direita-máquina”. Porém, Marcos Nobre enxerga dois Centrões, um relutante que prefere fugir do extremismo e, outro “carcará” que sinceramente gosta do golpismo por meio das bases digitais. Então, essas duas direitas disputam o voto liberal e ideologicamente conservador e antipetista no país.
Diante dessa arena auspiciosa, o STF assiste a retaliação do Congresso com a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados e tem o colegiado presidido pela deputada Caroline de Toni que informa que o embate entre Legislativo e o Supremo aponta para um futuro incerto e preocupante, pois ora as duas direitas trabalharão juntas e ora duelarão entre si.
Para a facção mais extremista da direita, os atuais anti-STF são claros: a anistia aos envolvidos na tentativa de golpe do 8 de janeiro; o impeachment de ministros do STF, em especial, do Ministro Alexandre de Moraes; e o combate do dito “ativismo judicial” contra redes sociais e influenciadores digitais.
A anistia aos atos de 8 de janeiro está em pauta porque interessa pessoalmente àquele que ainda é a maior liderança da direita extremista (“redes”, “digital”): Jair Bolsonaro. Embora cogite sempre como um abnegado ser que age por consideração aos condenados pelas invasões e pela destruição dos prédios públicos de Brasília, Bolsonaro sabe que há esperanças de que ele consiga colocar a si próprio dentro do rol dos anistiados pelo recurso maroto dos “crimes conexos”, já que, esticando bem, até os casos dos cartões de vacina e das joias sauditas, como estratégias de álibi ou exílio, poderiam ser estrategicamente relacionados à tentativa fracassada de golpe contra Lula.
Por outro lado, existe a “direita-máquina” que não se importa com a sorte dos golpistas presos e nem se compadece dos radicais foragidos da polícia e banidos das redes sociais. O seu principal interesse são as emendas parlamentares. Aliás, a velha direita vive às turras com o Ministro Flávio Dino. Aliás, uma saída pelo diálogo não tem sido aventada e há a destinação de quinhões crescentes do orçamento público para seus projetos.
A PEC 8/2021, que limita decisões liminares monocráticas (um propósito que é, em si, inconstitucional, além de ferir de morte o princípio da separação dos poderes), proíbe decisões individuais que possam suspender ato de outro poder de modo a “afetar políticas públicas” portanto, o que fatalmente engessaria a atuação do tribunal em relação às emendas pois, no limite, tratores, cisternas e kits-robótica são “políticas públicas”.
Destaca-se um ponto que interessa menos aos parlamentares alardear: algumas liminares, como as decisões do Ministro Gilmar Mendes que suspenderam investigações e anularam provas contra Arthur Lira (PP-AL), beneficiando o presidente da Câmara e seus aliados, continuariam sendo possíveis, porque não se referem estritamente a políticas públicas e sim a matéria penal.
Quanto aos crimes de responsabilidade, que colocariam os ministros sob ameaça de impeachment, os dois projetos ora em discussão – PL 658/22 e PL 475416, com os respectivos substitutivos que preveem um novo crime que nada seria além do exercício da atividade jurisdicional própria de um tribunal constitucional: “usurpar competências do Poder Legislativo, criando norma geral e abstrata de competência do Congresso Nacional.”
Não é difícil enxergar que, por essa lógica, o detalhamento financeiro de emendas parlamentares, no qual o Ministro Dino insiste, seria facilmente percebido como interferência judiciária em um expediente interna corporis do Legislativo (o dispositivo aproveitaria também aos extremistas: a decisão de 2012 que liberou o aborto de gestações anencefálicas.
Do ponto de vista político, porém, é preciso reconhecer que essa saída teria custos para o tribunal. O Supremo tornou-se uma instituição sobre a qual existem pouquíssimos controles formais. Enquanto os demais magistrados brasileiros respondem às corregedorias dos seus tribunais e ao CNJ, com base em diversas leis e códigos de conduta profissionais, o STF paira acima de tudo porque só responde ao Senado, apenas com base (em tese) em minguados crimes de responsabilidade previstos em uma legislação datada de 1950, que nem de longe alcança o que, de fato, é a atuação de um ministro do STF nos dias de hoje. Enfim, o Supremo situa-se atônito entre duas direitas ferozes.
Referência:
MAFEI, Rafael. O Supremo entre as duas direitas. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/o-supremo-entre-as-duas-direitas Acesso em 18.10.2024.
(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.
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