Dia da Saudade

(*) Lêda Lacerda

Quando se é jovem o Dia de Finados é um feriado que não faz muito sentido. Quando era estudante, 2 de novembro era encarado como oportunidade de faltar às aulas, antes das provas finais da escola. O jovem não tem a perspectiva da morte, do horizonte, e acelera na descida. Eventualmente, encontra uma perda aqui e ali. Uma celebridade, um amigo, um pet, um parente. Mas somente quando a perda é próxima, dentro de nós, o Dia de Finados passa a fazer sentido.

Quando aquela pessoa que fazia parte de nossa vida se vai, parece que um rio secou. Nisto a saudade passa brilhar como diamantes no leito de um rio que não passa mais. Um sorriso, uma fala, um gesto, um conselho, uma piada, um sabor, até mesmo um defeito, nos retornam como lampejo daquela alma em nós.

Outro dia, em um buffet por quilo, me deparei com os charutinhos de repolho enrolado com carinho em carne moída, como minha amada mãe fazia. Impossível passar indiferente sem saborear aquela lembrança gostosa. A saudade é luz de alguém iluminando a gente por dentro.

Também como uma celebração da vida de meu finado pai ou xilocaína da minha dor, me pego sempre lembrando dele. E a minha mente retrocede muitos anos.

Lembrei das histórias contadas pela minha “nonna”, que dizia ter ele começado a trabalhar aos 9 anos de idade, numa fábrica de vidros no bairro do Brás. Quase sempre chegava com as pernas lanhadas pelos estilhaços de vidro.

Vindo de uma família de imigrantes semianalfabetos, não deixou se contaminar pela ignorância chula que existia ao seu redor, embora trabalhando nunca deixou de estudar. Foi o único filho que se formou (ciências contábeis).

Em algumas noites, pegava o violão e cantava, com uma linda voz, canções do nosso repertório nacional. Aqui a genética se fazia forte, pois seu pai, meu avô, foi um grande cantor dessa época com o codinome “Paraguassú.”

Poderia meu pai ter escolhido a carreira artística, pelo meio em que foi criado, mas com a sua responsabilidade de cuidar da família, inclusive a do meu avô, grande boêmio, que tudo o que ganhou e foi muito, perdeu. Dependeu do filho até o final da sua vida…

Não sei bem por que essa memória me vem à mente agora. Talvez seja a magia do “Dia de Finados”, que, para ser mais claro a todos, deveria se chamar “Dia da Saudade”.

Sábado vou acender duas velas, fazer uma oração e, depois, aproveitar o dia para lembrar as canções que meu pai cantava para mim e, quem sabe, comer os charutinhos que minha mãe preparava com tanto amor…

Sabe, a linha da vida jamais se finda porque ela é uma linha cruzada com outras almas.

(*) Lêda Lacerda – paulistana, estudou no Colégio Rio Branco e formou-se em enfermagem pela USP. Sempre se interessou por moda e nas horas vagas por escrever sobre experiências de vida. Anos mais tarde, ingressou profissionalmente no universo da moda, tendo também se dedicado à formação de modelos e atores. A paixão pela escrita permanece até hoje, hobby que usa para traduzir em letras a emoção e o amor que marcam seu cotidiano.

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