(*) Marli Gonçalves
Impressionante o estrago que uma língua solta batendo nos dentes, consciente ou distraída, malvada ou engraçadinha, pode fazer. Em épocas eleitorais as línguas ganham protagonismo porque podem derrubar até quem já estava subindo ao pódio.
Desde criança a gente sempre ouviu um sábio conselho dos mais velhos, para tentar manter a língua quieta lá dentro da boca, e esta fechada. Pensar antes de falar, para evitar problemas. Aprendemos? Não. Duvido que algum de nós já não tenha escorregado e falado mais do que devia, e depois tentado se desculpar tentando explicar que não era exatamente bem aquilo que queria expressar. Isso quando não tem outra pessoa que precisa correr para consertar o linguarudo. Saia justa. O presidente dos Estados Unidos, Biden, acaba de emitir uma frase muito infeliz sobre os eleitores do adversário Trump (“lixo”). Por sua vez um comediante de palanque de encomenda de Trump acertou os porto riquenhos falando horrores, destilando preconceitos (“ilha flutuante de lixo”).
Línguas são o pavor dos profissionais de marketing político. Como contê-las, como amarrá-las? Cortar não pode. Aí vem o corre-corre para conter os sangramentos.
Também acontece dela, a língua, se soltar como quem não quer nada – e isso tem de ser acompanhado sempre por uma cara de nuvem, de inocente. Querem exemplo maior do que o do governador Tarcísio de Freitas, que de bobo não tem é nada, no dia do segundo turno da eleição em São Paulo juntar em uma coletiva uma investigação antiga de PCC nas prisões com o nome do candidato Guilherme Boulos? Ora, ops! – foi sem querer. Então, tá. E no país do momento, parece, ficou tudo por isso mesmo. A língua continuará solta e faceira daqui pra frente. Assim como as eleições sendo tratadas de forma irresponsável.
Pois bem, esses fatos dos tempos que vivemos me fez recordar de muitos outros e famosos tipos de língua, além da deliciosa, a língua de gato; a de chocolate, que a do gato mesmo é muito áspera e faz cosquinha.
A língua de chicote, aquela que fala e se arrepende recolhida (um pouco a tal do momento eleitoral) é bem comum. É também aquela que que fala tudo o que pensa, doa a quem doer, chicoteia.
Achei uma engraçada, a língua de lixa, que usam para, digamos, definir uma língua que “visitou muitas bocas”. Também anda comum com esse negócio aí de “ficar”, “beijar muuuito”, como dizem os jovens. Mas aí eles têm de aguentar, além dos sapinhos, as línguas de trapo. Os indiscretos, fofoqueiros, linguarudos, que gostam de cuidar da vida dos outros. Se bem que o termo acabou criado um ótimo grupo musical, o Língua de Trapo.
Claro, falei logo no início do língua solta. Mas tem língua presa. Só que isso tem nome mais complicado, médico: anquiloglossia. Uma condição que dificulta a fala, e pode ser operada se descoberta a tempo, pelo que vi. Coisa séria.
A língua de sogra, aquele negocinho de festa que a gente sopra e ele estica, também tem esse nome porque em geral sogras não são amadas; quando se metem na vida do casal podem enrolá-los. Assim como a língua enrolada que precisa ser levada muito a sério e requer cuidados, porque quando aparece pode ser sinal de grave distúrbio do sistema nervoso central, como um AVC.
Mas a língua também anda servindo de enfeite. Tem quem a corte, divida – dizem para dar maior prazer sexual quando… vocês sabem. É a tal língua de cobra; procedimento estético, perigoso, não recomendado, e que pode dar ruim, bem ruim. Mas cada um sabe o quer fazer no próprio corpo, como tantas várias modificações na moda por aí.
Enfim, a língua dá muito samba. Mais um conselho, aos traidores: não bata com a língua nos dentes. E dá até uma praguinha bem dolorosa:
– Se for falar mal de mim, morda a língua!
(*) Marli Gonçalves – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de “Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também”, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.
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