O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu nesta quinta-feira (21) mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, por crimes de crimes de guerra e contra a humanidade na condução da guerra na Faixa de Gaza, que se arrasta há mais de um ano e deixou milhares de mortos.
Os juízes também aprovaram um mandado de prisão contra Mohammed Deif, um comandante do Hamas, grupo terrorista que iniciou o conflito ao lançar uma ofensiva terrorista em 7 de outubro de 2023.
Deif é apontando no mandado como chefe da ala militar do Hamas, embora Israel já o tenha declarado morto em um ataque lançado no último mês de junho contra Gaza. A morte do líder, porém, nunca foi confirmada pelo grupo terrorista.
Com a decisão, o tribunal rechaçou as impugnações apresentadas em setembro por Israel, que negou a jurisdição do TPI sobre a situação no enclave palestino, e sobre os cidadãos israelenses em particular. O governo israelense também tinha exigido que os juízes parassem “qualquer processo relacionado com a situação, incluindo a apreciação de pedidos de mandados de detenção”.
Os juízes aprovaram os mandados de prisão solicitados em 20 de maio pela procuradoria contra Netanyahu e Gallant, demitido pelo premiê no início de novembro, como “responsáveis criminalmente como coautores dos crimes de guerra de utilização da fome como método de guerra e dos crimes contra a humanidade de homicídio, perseguição e outros atos desumano”.
O tribunal concluiu que “ambos privaram intencionalmente a população civil de Gaza de bens essenciais à sua sobrevivência, incluindo alimentos, água, medicamentos, combustível e eletricidade, entre outubro de 2023 e maio de 2024. Este bloqueio teve consequências graves, como a morte de civis, incluindo crianças, devido à desnutrição e desidratação”.
No caso do Hamas, o procurador do TPI, Karim Khan, pediu a prisão do então líder do Hamas, Yahya Sinwar; do chefe da ala militar, Mohammed Deif; e de seu gabinete político, Ismail Haniyeh. A acusação inclui seis crimes de guerra, como tomada de reféns e atos de violência sexual, e cinco crimes contra a humanidade, incluindo extermínio e homicídio.
No entanto, desde que o procurador solicitou as detenções, Haniyeh foi morto em um ataque em Teerã, em julho, e o seu sucessor, Sinwar, sofreu o mesmo destino em uma outra ação israelense em Gaza no mês passado, razão pela qual Khan retirou os pedidos. Em relação a Deif, a procuradoria da Corte de Haia afirmou que continuará a recolher informações sobre “sua suposta morte”.
Israel acusa TPI de “antissemitismo”, Netanyahu cita “caso Dreyfus”
Após a emissão dos mandados, Israel acusou o TPI de ter perdido a legitimidade. “Este é um dia negro para [o TPI], que perdeu toda a legitimidade para existir e atuar”, afirmou o ministro do Exterior israelense, Gideon Saar, em redes sociais. Já o ministro israelense da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, da extrema direita, qualificou a decisão como “uma vergonha sem precedentes” e acusou o tribunal de ser “antissemita”.
Netanyahu também acusou o TPI de “antissemitismo” e se comparou ao capitão Alfred Dreyfus (1859-1935), que no final do século 19 foi falsamente acusado na França de espionagem e acabou sendo vítima de perseguição judicial num caso alimentado por antissemitismo. ”A decisão antissemita do Tribunal Penal Internacional é comparável a um julgamento moderno de Dreyfus – e terminará da mesma forma”, disse Netanyahu.
“Israel rejeita com desgosto as ações absurdas e falsas contra ele pelo TPI”, acrescentou uma declaração do gabinete do primeiro-ministro, que afirmou ainda que o líder israelense não “cederá à pressão” na defesa dos cidadãos do seu país.
Em rara demonstração de unidade, inimigos ferrenhos de Netanyahu uniram forças com aliados do governo para criticar o tribunal dizendo que a guerra, que devastou a Faixa de Gaza e deixou dezenas de milhares mortos, era culpa do Hamas.
O principal líder da oposição, Yair Lapid, chamou a ação de tribunal de “recompensa pelo terrorismo”. O ex-primeiro-ministro Naftali Bennett disse que os mandados são uma “marca da vergonha” para o TPI e seus integrantes.
União Europeia pede respeito à decisão
Com sede em Haia, na Holanda, o TPI não tem polícia própria para impor a prisão e, por isso, depende que a Justiça dos 124 países signatários da Corte valide a decisão. Com a emissão de um mandado de prisão, os signatários, entre eles o Brasil, deveriam cumprir a sentença para o procurado quando esse entrar em seus territórios nacionais.
Entre os países signatários, a Holanda e a Irlanda já afirmaram que irão cumprir a decisão. O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Joseph Borrell, disse que os mandados são vinculativos e deveriam ser implementados.
“Não é uma decisão política. É a decisão de um tribunal, de um tribunal de justiça, de um tribunal de justiça internacional. E a decisão da corte deve ser respeitada e implementada”, destacou Borrell. “A tragédia em Gaza tem que acabar”, acrescentou.
A guerra em Gaza teve início após o ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023. Na ocasião, os terroristas palestinos mataram 1.200 pessoas no sul de Israel e sequestraram mais de 250. Em resposta, Israel lançou uma operação militar contra o território palestino que já dura 13 meses e matou mais 44 mil palestinos, segundo autoridades de Gaza ligadas ao Hamas. A guerra deslocou ainda quase toda a população do enclave, gerando uma crise humanitária.
O que são crimes de guerra?
Um crime de guerra consiste numa grave violação do direito internacional contra civis e combatentes durante conflitos armados. A classificação faz parte de um complexo sistema judiciário que emergiu após a Segunda Guerra Mundial com os Julgamentos de Nuremberg.
As regras internacionais de conflito armado foram estabelecidas em 1949 pelas Convenções de Genebra, ratificadas por todos os Estados-membros da ONU e complementadas por decisões de tribunais internacionais de crimes de guerra.
Uma série de tratados rege o tratamento de civis, soldados e prisioneiros de guerra num sistema conhecido coletivamente como Direito dos Conflitos Armados ou Direito Humanitário Internacional. Ele se aplica às forças governamentais e aos grupos armados organizados, incluindo os militantes do Hamas.
Os crimes de guerra, especificamente, assim como os crimes contra a humanidade, foram definidos no Estatuto de Roma de 1998, que serviu de base para a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Nele, estão contemplados mais de 50 cenários possíveis, tais como assassinato, tortura, estupro e tomada de reféns. O estatuto também inclui ataques deliberados a centros populacionais indefesos não considerados alvos militares.
Qual é o papel do TPI?
Em caso de crime de guerra, cabe aos tribunais nacionais a aplicação da assim chamada jurisdição universal, cujo âmbito, porém, é limitado.
Quando eventuais atrocidades não são levadas à Justiça internamente, o TPI é o único órgão jurídico internacional capaz de apresentar acusações. Inaugurado em Haia em 2002, ele é o tribunal mundial permanente para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Sua jurisdição abrange crimes cometidos pelos seus 124 Estados-membros e seus respectivos cidadãos.
Mas muitas das principais potências globais não integram o TPI, como China, Estados Unidos, Rússia, Índia e Egito. O TPI reconhece a Palestina como Estado-membro, enquanto Israel rejeita a jurisdição do tribunal e não se envolve formalmente com ele.
Em março de 2023, o TPI expediu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, com base em suspeitas de que o presidente russo seria responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de crianças da Ucrânia. O mandado contribuiu para a redução das viagens de Putin ao exterior. (Com agências internacionais)
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