Deputados de esquerda e da ultradireita se uniram nesta quarta-feira (4) para derrubar o governo do conservador primeiro-ministro francês, Michel Barnier, que assumiu o cargo há menos de 100 dias, aprofundando a crise política que vem castigando a segunda maior economia da União Europeia (UE).
Barnier enfrentava duas moções de censura na Assembleia Nacional (câmara baixa), após seu governo usar controverso mecanismo constitucional para contornar o Parlamento e forçar a aprovação de lei orçamentária.
Para que as moções fossem aprovadas, eram necessários o voto de pelo menos 289 dos 577 deputados. A primeira moção, apresentada pela esquerda, acabou sendo aprovada com 331 votos.
Antes da votação, o primeiro-ministro conservador fez um apelo à “responsabilidade” dos deputados para que eles não derrubassem o governo, em um momento econômico tenso para o país.
O presidente Emmanuel Macron, que promoveu a criação do governo de Barnier, também fez apelos similares, sem efeito. “O interesse do país é mais importante que o interesse dos partidos”, disse na terça-feira o presidente francês, Emmanuel Macron, durante uma visita oficial à Arábia Saudita.
Contudo, os apelos não tiveram efeito. “Chegamos ao momento da verdade”, disse Marine Le Pen, líder do partido de ultradireita Reunião Nacional (RN), que se voltou contra Barnier nos últimos dias. “Ficou claro que você está apenas liderando um governo sem legitimidade democrática”, acrescentou Le Pen a Barnier durante os debates que precederam a votação.
“Hoje, defendemos a democracia”, disse após a votação a deputada Mathilde Panot, líder da bancada do partido de esquerda A França Insubmissa (LFI) na Assembleia Nacional. Ela ainda refutou as previsões de “caos” evocadas pelo campo macronista caso a moção fosse aprovada. “O caos não somos nós, foi Emmanuel Macron durante sete anos”, disse ela.
“A censura inevitável ocorreu. Mesmo com um Barnier a cada três meses, Macron não durará três anos”, escreveu por sua vez na rede X o fundador da LFI, Jean-Luc Mélenchon.
Apesar da queda do governo Barnier, a permanência de Macron não será diretamente afetada. O mandato do presidente vai até 2027.
No sistema semipresidencialista da França, o presidente e os membros do governo são eleitos separadamente. Um presidente depende de um primeiro-ministro aceito pelo Parlamento para assegurar a governabilidade.
Agora, Banier deve continuar no cargo limitado a cuidar de “assuntos correntes do Estado” até Macron indicar um sucessor.
Macron pode, em tese, até mesmo nomear Barnier novamente como premiê, mas é provável que escolha outro nome. No entanto, deve ser uma tarefa difícil formar um novo governo estável.
A distribuição no Parlamento, atualmente hostil ao presidente, vai permanecer a mesma, já que Macron não pode convocar eleições legislativas antecipadas até meados de 2025. A queda de Barnier também deve reforçar pedidos entre a oposição pela renúncia de Macron – algo que ele já avisou que não pretende fazer.
Barnier, o breve
Com menos de cem dias no poder, o governo de Barnier deve ser o mais curto da Quinta República francesa, que começou em 1958. É também apenas o segundo a cair por causa de uma moção de censura, depois da administração de Georges Pompidou em 1962, quando Charles de Gaulle era presidente.
Para além dos recordes negativos, a queda do governo Barnier deve aprofundar a crise política que o país enfrenta desde 2022, quando Macron perdeu sua maioria na Assembleia Nacional.
Em junho, tentando romper o impasse que paralisava o parlamento, Macron surpreendeu o país e antecipou as legislações legislativas, que estavam previstas apenas para 2027. Ao dissolver o parlamento, Macron justificou a decisão afirmando que ela necessária para que “a França tivesse uma maioria clara” na esteira da vitória da ultradireita nas eleições para o Parlamento Europeu na França.
A convocação das eleições surpreendeu até mesmo aliados do presidente. No final, os resultados não foram o que o presidente esperava e as consequências foram mistas.
Em vez de recuperar sua maioria, perdida em 2022, o centrista Macron viu as bancadas da esquerda e da ultradireita crescerem, mas sem que nenhuma conquistasse maioria. Houve, no entanto, alívio que a ultradireita tenha se saído pior do que indicavam pesquisas iniciais.
Já o grupo centrista do presidente perdeu cadeiras. E a convocação das eleições também travou o quadro por pelo menos um ano, já que a Constituição veda a convocação de um novo pleito por esse período.
No final, as novas eleições resultaram em uma Assembleia ainda mais fragmentada e o parlamento se dividiu em três blocos aparentemente irreconciliáveis: esquerda, centro-direita e extrema direita.
A Nova Frente Popular (NFP) – coalizão de socialistas, comunistas, ambientalistas e integrantes da esquerda radical – terminou as eleições com o maior número de deputados, mas também sem contar com maioria na Assembleia Nacional, e Macron se recusou a escolher um premiê indicado pela aliança de esquerda.
Quase dois meses depois, Macron acabou nomeando Barnier, ex-negociador europeu para o Brexit, como primeiro-ministro, em nome da “estabilidade”, irritando a esquerda.
Ao ser indicado, Barnier só conseguiu garantir o apoio da aliança de centro-direita de Macron e de seu próprio partido conservador, Os Republicanos (LR), formando um governo de minoria. Dessa forma, sua sobrevivência passou a depender da líder de ultradireita Marine Le Pen, que nesta semana finalmente decidiu pela queda. (Com agências internacionais)
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