(*) Gisele Leite
É recente a aprovação do PLP 68/2024 pela Câmara dos Deputados que disciplina aspectos fundamentais da reforma tributária que tenta a modernização do sistema fiscal pátrio.
A complexidade da dita reforma ultrapassa a mera simplificação tributária. Verifica-se que o modelo de tributação se concentra no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) destinado aos Estados e Municípios.
Esses dois tributos, que substituirão ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins, são apresentados como instrumentos para simplificar e uniformizar a arrecadação. O objetivo central é mitigar as distorções causadas pela multiplicidade de tributos, regimes cumulativos e guerra fiscal que caracterizam o sistema vigente. Embora a proposta represente um avanço em termos de racionalidade e eficiência tributária, ela também carrega uma série de desafios técnicos e operacionais.
Um tema muito debatido é a definição de alíquota geral de aproximadamente 27,8% resultado feito de ajustes da Câmara de Deputados no sentido de mitigar os 18,5% projetados depois das alterações no Senado brasileiro.
Lembremos que a carga elevada poderá desestimular investimentos produtivos impactando a geração de empregos e o crescimento econômico. E, os setores atuantes nos mercados internos mais sensíveis aos preços que poderá ter dificuldades em assumir os custos adicionais, transferindo-os, ipso facto, para o consumidor final.
O consumo é o principal objeto de tributação sendo mais oneroso para as camadas sociais de menor renda e que dedicam a maior parte de seus recursos na aquisição de bens essenciais. Aliás, o mecanismo de cashback (retorno) inserido na reforma, visa devolver parte dos tributos para os vulneráveis, o que é um aspecto positivo, porém não suficiente para promover a regressividade interna do modelo tributário.
Há de se alertar que a reforma ainda dependerá de regulamentações detalhadas bem como de sistemas administrativos robustos e ainda a capacidade operacional dos entes federativos brasileiros.
Merece destaque é a manutenção de regimes diferenciados para setores específicos, como o da Zona Franca de Manaus. A concessão de benefícios tributários para a indústria de refino de petróleo na região gerou críticas intensas de entidades como o Comsefaz, que alertou para os riscos à competitividade de refinarias instaladas em outras partes do país e para a possível perda de arrecadação anual estimada entre R$ 1,7 bilhão e R$ 3,5 bilhões.
Essa decisão exemplifica a dificuldade de alinhar interesses regionais e setoriais dentro de um projeto que visa unificar e simplificar o sistema tributário. A crítica é ainda mais acentuada diante da perspectiva de que tais benefícios perpetuem desigualdades entre regiões e empresas.
O processo de aprovação do PLP 68/2024 foi marcado por intensas negociações políticas e por decisões que refletem a necessidade de conciliar interesses divergentes. A rejeição, pela Câmara, de alterações propostas pelo Senado, como a inclusão de saneamento básico em regimes de alíquota reduzida, revela a preocupação em evitar impactos negativos na alíquota geral.
Por outro vetor, a aprovação de medidas voltadas para setores estratégicos, como energia e saúde, evidencia a tentativa de ajustar o modelo a demandas específicas sem comprometer a arrecadação.
O cronograma que se inicia em 2026 e se estenderá até 2033, prevê uma transição gradual para o novo sistema, com alíquotas-teste e ajustes progressivos. Esse período será crucial para identificar falhas, corrigir distorções e garantir que as empresas e os cidadãos consigam se adaptar às novas regras.
A transição bem-sucedida exigirá esforços conjuntos dos governos federal, estaduais e municipais, além de um diálogo constante com o setor produtivo e a sociedade civil.
Enfim, a reforma tributária simboliza uma oportunidade única para reposicionar o Brasil em termos de competitividade fiscal e justiça tributária. Em tempo: Brasil tem maior carga tributária da América Latina.
Referências:
Agência Senado. Oriovisto critica reforma tributária e alerta para impactos econômicos. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/11/05/oriovisto-critica-reforma-tributaria-e-alerta-para-impactos-economicos Acesso em 27.12.2024.
Folha de S. Paulo. 27.12.2024. Brasil tem maior carga tributária da América Latina. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/12/brasil-tem-maior-carga-tributaria-da-america-latina-compare.shtml Acesso em 27.12.2024.
Tributário. Clippings. Opinião: Reforma Tributária – avanços, desafios e os impactos para empresas e brasileiros. Disponível em: https://tributario.com.br/a/opiniao-reforma-tributaria-avancos-desafios-e-os-impactos-para-empresas-e-brasileiros Acesso em 27.12.2024.
(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.
As informações e opiniões contidas no texto são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo obrigatoriamente o pensamento e a linha editorial deste site de notícias.
Se você chegou até aqui é porque tem interesse em jornalismo profissional, responsável e independente. Assim é o jornalismo do UCHO.INFO, que nos últimos 20 anos teve participação importante em momentos decisivos do País. Não temos preferência política ou partidária, apenas um compromisso inviolável com a ética e a verdade dos fatos. Nossas análises políticas, que compõem as matérias jornalísticas, são balizadas e certeiras. Isso é fruto da experiência de décadas do nosso editor em jornalismo político e investigativo. Além disso, nosso time de articulistas é de primeiríssima qualidade. Para seguir adiante e continuar defendendo a democracia, os direitos do cidadão e ajudando o Brasil a mudar, o UCHO.INFO precisa da sua contribuição mensal. Desse modo conseguiremos manter a independência e melhorar cada vez mais a qualidade de um jornalismo que conquistou a confiança e o respeito de muitos. Clique e contribua agora através do PayPal. É rápido e seguro! Nós, do UCHO.INFO, agradecemos por seu apoio.