Em matéria anterior, publicada na edição desta quarta-feira (2 de abril), apontamos o absurdo que representa a permanência de Alexandre França Siqueira (MDB) à frente da Prefeitura de Tucuruí (PA). Inelegível por oito anos após ter o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA), Siqueira recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que permitiu concorrer à reeleição.
Após pedidos de vista, o último apresentado pelo ministro Kassio Nunes Marques, que demorou meses para esmiuçar o caso, o TSE retoma nesta quinta-feira (3) o julgamento, que tramita na Corte eleitoral desde maio de 2024.
A relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, cujo voto foi acompanhado pelos ministros Floriano de Azevedo Marques e Raul Araújo, manteve a cassação dos mandatos do prefeito Alexandre Siqueira e do vice Jairo Rejânio de Holanda Souza por compra de voto e abuso de poder econômico nas eleições municipais de 2020. Naquele ano, o TRE do Pará havia proibido aglomerações em razão da pandemia de Covid-19, mas Siqueira preferiu ignorar a determinação judicial.
A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135, de 2010) é clara no artigo 26-C ao estabelecer a necessidade de, em fase recursal, o agravante requerer a suspensão da inelegibilidade, o que não aconteceu no escopo do processo.
Artigo 26-C – “O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso”.
“Pai” da Lei da Ficha Limpa
Idealizador da Lei da Ficha Limpa e responsável pelo respectivo projeto de lei de iniciativa popular, com mais de 1,5 milhão de assinaturas, o ex-juiz e advogado Márlon Reis conversou com o UCHO.INFO sobre o desrespeito ao artigo 26-C.
Em mensagem trocada para agendamento da entrevista, Márlon Reis foi incisivo em relação ao citado artigo da Lei da Ficha Limpa. “Infelizmente, o TSE tem sido muito complacente na aplicação do dispositivo, o que tem favorecido algumas candidaturas”, escreveu o advogado.
Na entrevista, quando perguntado sobre a prevalência da preclusão diante do não requerimento de forma expressa da suspensão da inelegibilidade, Márlon Reis foi enfático ao afirmar: “O Tribunal Superior Eleitoral tem relativizado nos últimos anos a aplicação do artigo 26-C”. O ex-juiz completou: “Infelizmente, o TSE adota uma postura que não é literal em relação ao que diz o dispositivo [artigo 26-C]”.
“Temos observado que essa relativização ocorre a ponto de o TSE acolher até mesmo a suspensão [da inelegibilidade] de forma monocrática, quando a norma expressamente exige uma decisão pelo colegiado ao qual compete o julgamento do recurso”, destacou o advogado Márlon Reis.
Questionado sobre a possibilidade de o TSE não acompanhar decisão colegiada, no caso o Tribunal Regional Eleitoral do Pará, Reis afirmou: “Havendo decisão colegiada, sobrevém a inelegibilidade. Mas existe uma cláusula, a do artigo 26-C, que permite à instância superior afastar temporariamente a inelegibilidade aplicada. Essa é a essência do artigo 26-C”.
“Gostaríamos que o artigo fosse aplicado de maneira literal, de acordo com o que está na lei [Lei da Ficha Limpa], porque ali se exige um pronunciamento colegiado por parte da instância que acolheu o recurso e que haja requerimento expresso, dentro do mesmo prazo cabível para o recurso contra a decisão do tribunal de origem”, enfatizou Márlon Reis.
O idealizador da Lei da Ficha Limpa respondeu de forma clara quando perguntado sobre a prevalência da preclusão quando não há pedido expresso de suspensão da inelegibilidade. “Não havendo requerimento expresso de suspensão com base no artigo 26-C, na minha visão não há como se conceder a suspensão da inelegibilidade”, enfatizou.
Análise do caso
Em busca de mais uma opinião balizada, com análise específica do caso, o UCHO.INFO recorreu à professora Gisele Leite, Mestre e Doutora em Direito. A professora afirmou, de plano, que se Alexandre Silveira “está inelegível e denunciado pelo Ministério Público é inaceitável que esteja à frente da Prefeitura”.
Com base na preclusão processual decorrente do não requerimento expresso de suspensão da inelegibilidade (artigo 26-C da Lei da Ficha Limpa), Gisele Leite afirmou que “todas as decisões que Alexandre Silveira tomou à frente do Executivo municipal são nulas de pleno direito”, se mantidas a cassação e a consequente inelegibilidade.
O detalhe acima, apontado pela professora de Direito, revela a nocividade da demora quase letárgica da Justiça diante de caso de extrema gravidade, pois permitir que alguém inelegível consiga registrar candidatura, participar do pleito e seja reeleito compromete não apenas a pessoa jurídica da Prefeitura, mas também e principalmente o futuro de toda a população do município, em que pese o fato de uma parcela do eleitoral ter lhe confiado o voto.
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Julgamento e trajetória polêmica
Como noticiado, o TSE pautou para a sessão desta quinta-feira o julgamento dos recursos especiais eleitorais interpostos pela defesa de Alexandre Siqueira. Considerando que a Corte eleitoral é composta por sete ministros, dos quais três já votaram pela manutenção da cassação do mandato de Siqueira, restam o voto-vista do ministro Kassio Nunes Marques e os dos outros três integrantes do tribunal, atualmente presidido pela ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.
Não será surpresa se, durante a sessão, a ministra relatora Isabel Gallotti revelar a seus pares detalhes da tumultuada trajetória política do prefeito de Tucuruí. Ao lado de outros investigados, Alexandre Siqueira foi alvo de inquérito do Ministério Público do Pará que apura desvio de recursos públicos.
Na decisão (processo nº 0802704-60.2024.8.14.0061), o MP paraense foi minucioso: “A inicial relata que o Inquérito Civil Público foi instaurado após a obtenção de provas em medida cautelar de busca e apreensão autorizada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que indicam possíveis irregularidades administrativas e desvio de recursos públicos através da empresa Planeta Transportes Eireli e pagamentos indevidos a vereadores para obtenção de apoio político. Dentre os atos mencionados, estão a compra de um helicóptero com recursos públicos, controle de empresa por “laranjas” e pagamentos de despesas pessoais e familiares com recursos da empresa Planeta Transportes Eireli.”
O caso acima mereceu destaque em “notitia criminis” apresentada ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará pela competente advogada Tatiane Alves da Silva, que representa coligação partidária que concorreu nas eleições municipais de 2024 e por razões óbvias foi derrotada.
Outro escândalo que pode ser pinçado na sessão do TSE é a Operação Stall, da Polícia Federal, deflagrada em 30 de janeiro passado para desarticular esquema criminoso de compra de votos no âmbito das eleições municipais de 2024, corrupção eleitoral, desvio de verbas públicas e lavagem de dinheiro.
A investigação da PF teve início após a prisão em flagrante, em outubro de 2024, de um policial militar encontrado dentro de aeronave transportando R$ 1.149.300,00 em espécie. De acordo com a apuração da Polícia Federal, o dinheiro, oriundo do estado de São Paulo, seria utilizado para a compra de votos nas eleições passadas.
Um tema nevrálgico que tem chance de ser abordado no julgamento do TSE é o suposto envolvimento de Alexandre Siqueira em crime cometido em 25 de julho de 2017, que culminou no assassinato de Jones William da Silva Galvão, então prefeito de Tucuruí. Jones foi morto durante inspeção de obra pública.
Na ação penal que tramita no Tribunal de Justiça do Pará, o Ministério Público estadual, em denúncia que contextualiza os fatos criminosos, afirma que “dados dos aparelhos celulares apreendidos, obtidos por extração autorizada judicialmente, comprovam que os denunciados Firmo Leite Giroux, Alexandre França Siqueira, Moisés Gomes Soares Filho e Andrey Fernandes Mateus ofereceram vantagem indevida aos investigadores da polícia civil Donivaldo de Jesus Palha, Amarildo Leite dos Santos, Jonatas Rabelo Galvão, Afonso Alves Rodrigues e ao delegado José Eduardo Rollo da Silva, para determiná-los a praticar e omitir atos de ofício que estavam obrigados na investigação do homicídio do prefeito Jones William da Silva Galvão.”
No documento, precisamente no quesito “corrupção ativa”, o MP-PA vai além e ressalta: “Consta das peças anexas que entre julho de 2017 e março de 2019, em Tucuruí, Alexandre França Siqueira, Firmo Leite Giroux, Moisés Gomes Soares Filho e Andrei Fernandes Mateus ofereceram e pagaram, por diversas vezes nas mesmas circunstâncias de tempo e de local, vantagem patrimonial indevida a cinco integrantes da Polícia Civil do Estado do Pará, para que omitissem atos de ofício e praticassem atos infringindo o dever funcional.”
Se diante desse “honorífico” (sic) currículo o TSE não decidir pela manutenção da cassação do mandato de Alexandre Siqueira e chancelar a respectiva inelegibilidade, o brasileiro deve perder a esperança em relação a um futuro minimamente aceitável e digno, no qual a democracia e o Estado de Direito não são diuturnamente aviltados por profissionais da política.
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